terça-feira, 25 de novembro de 2008

Interesse pela USP recuou dez anos

12/11/2008

A Universidade de São Paulo ( USP) , neste ano, tem 138.242 interessados nas 10.557 vagas oferecidas pela melhor universidade do País. A forte competição, no entanto, esconde sério problema: a procura caiu. E muito. Em 2006 foram 170.678 candidatos e em 2007, 140.918. Na prática, o número de inscritos para a Fuvest, a fundação que cuida do vestibular, voltou ao que era dez anos atrás. Não há razão única para esse fato, mas a queda de concluintes do ensino médio tem peso nisso. Sem esquecer outros motivos, como a maior oferta de vagas no Pró-Uni, as bolsas para alunos pobres em escolas privadas ou até a crise na procura pelos cursos de formação de professores.
Porém, há algo um pouco mais complicado nesse quadro. No Estado de São Paulo, 480 mil alunos terminaram o ensino médio em 2007, bem menos que os 560 mil de 1998. Lembrar do novo perfil demográfico, famílias com menos filhos, apesar de relevante, não ajuda. Em outubro, o Censo Educacional 2008 (essencial para a distribuição dos recursos do Fundo de Desenvolvimento da Educação Básica) revelou que foram 1,3 milhão de matrículas a menos no ensino fundamental, 4,7% menos ante 2007, óbvio impacto demográfico. Já no ensino médio, as matrículas foram 7,1% maiores do que em 2007, 400 mil alunos a mais. Motivo: 98% das crianças entre 7 e 14 anos estão na escola, mas apenas 45% dos jovens entre 15 e 19 anos estão no ensino médio. Em outras palavras: quase todas as crianças estão na escola, enquanto a maior parte dos jovens não está e não vê motivos para procurá-la. Resultado: em 2000, o Brasil possuía 8,1 milhões de matrículas no ensino médio. Hoje, não chega a 6 milhões.
O ensino médio virou o primo pobre da educação nacional. Estudo do Inep/MEC, publicado no O Estado de S. Paulo (7/11) mostrou que o ensino fundamental recebia 63,06% do total dos recursos da educação (era 59,4% em 2000), enquanto o ensino médio permaneceu no mesmo patamar dos 13%. Essa escolha orçamentária gera obrigatórios reflexos na sala de aula. Sem esquecer o problema, talvez bem mais grave do que o orçamentário, a grade curricular, o que é ensinado na sala de aula. Há uma brutal defasagem entre as expectativas (inclusive as profissionais) dos jovens e o ensino que a escola oferece. Para agravar o quadro, políticos descobriram a opção ensino técnico como moeda eleitoral, isto é, abre-se a toque de caixa uma "escola técnica", seja do que for, pouco importa o perfil da demanda. A insensatez também atingiu o ensino médio como caminho da universidade. Há dez anos, todas as projeções educacionais sugeriam explosão de demanda no ensino superior. A iniciativa privada e o setor público prepararam-se para essa expansão. E, curiosamente, a oferta de educação universitária subiu, mas a procura não. O caso paulista é exemplar: em 1998 existiam 300 mil vagas de ensino superior e, em 2006, eram 920 mil.
O projetado aumento da procura por ensino superior não ocorreu pelo absoluto descaso com o grau médio. Essa etapa é uma ponte entre o fundamental e a formação tanto universitária como profissional. No mundo inteiro, sério, é desse modo, 11 anos de escolaridade e, só depois, a escolha entre universidade ou técnico. Esse descaso gerou menos candidatos na Fuvest, além do duelo canibal por alunos entre as instituições privadas, inclusive as que formam tecnólogos. A rede privada de ensino superior sabe que tem muito espaço para crescer: apenas 7% dos nossos jovens entre 19 e 24 anos estão na universidade, metade da Argentina e menos de um terço do Chile. Investidores em universidades também sabem que precisam tratar do futuro do seu mercado, mas pouco fazem. O Sindicato dos Estabelecimentos de Ensino do Estado de S. Paulo (Sieeesp) mantém programas de apoio a esse nível de ensino, mas é iniciativa solitária.
A queda nos candidatos da Fuvest é só um alerta de que sem melhorar o ensino médio será difícil tanto aumentar a procura do ensino superior como tornar a mão-de-obra brasileira tecnicamente mais qualificada.

(Gazeta Mercantil/Caderno A - Pág. 2)
LEONARDO TREVISAN* - EditorialistaE-mail:
ltrevisan@gazetamercantil.com.br)

Há 70 anos educando as massas

São Paulo, 3 de Novembro de 2008

No final da década de 1940, o Brasil tinha cerca de 50 milhões de habitantes, a maioria vivendo na área rural e praticamente sem educação. Na época, estudar era uma coisa de elite. Esse Brasil que mais tarde iria explodir industrialmente, e que tudo estava por fazer, serviu de inspiração para o negócio desenvolvido pelos irmãos Warghaftig, Jacob e Michael, o Instituto Universal Brasileiro (IUB). Quase 70 anos depois e 4 milhões de alunos em cursos por correspondência nesse período, o IUB começa em janeiro de 2009 uma nova etapa do ensino a distância. O instituto conseguiu autorização para ministrar cursos técnicos do nível médio reconhecidos pela Secretaria de Educação do Estado de São Paulo. Inicialmente serão quatro cursos: técnico de transações imobiliárias, gestão comercial, secretária e secretária de escola. Para obter o diploma técnico, o aluno precisa ter concluído o ensino médio ou estar cursando - pode ser concomitantemente, desde que o estudante termine o técnico junto com o ensino médio.
Para o presidente do Instituto Universal Brasileiro, Luiz Fernando Naso, a empresa teve de adaptar-se às exigências do mercado, que valoriza o diploma oficial. Além dos futuros cursos técnicos, o IUB é credenciado para ministrar cursos supletivos a distância do ensino fundamental e médio. Do faturamento da empresa, não revelado por Naso, 70% são provenientes dos cursos profissionalizantes.
Embora não concorde com a exigência de diploma oficial para reconhecimento do ensino profissional, o empresário, que chegou até o terceiro ano da faculdade de Direito, tem mantido na grade de ensino a distância cerca de 40 cursos bastante atuais para o mercado de trabalho, como informática, administração, manutenção de computador, eletrônica, mecânica e construção civil.
O embrião do ensino por correspondência da empresa foi o Instituto Monitor, fundado pelos irmãos Warghaftig em 1939. Depois de algumas divergências entre os Warghaftig, houve uma cisão da empresa. Jacob ficou com o Monitor e Michael abriu o IUB. Com um tino comercial bastante aguçado, Michael entendeu a importância de investir em divulgação para vender seus cursos. Em 1942, ao abrir o curso de contabilidade o IUB usou a revista de maior popularidade na época, O Cruzeiro, controlada pelos Diários Associados, de Assis Chateaubriand, que também importou televisores e instalou a primeira estação de TV no Brasil.
Mesmo com a precariedade dos meios de comunicação da época, a revista era uma grande alavanca para propagar os cursos do IUB. A empresa desde o início - e até os dias de hoje - investe 30% das vendas em propaganda. Em 1952, no lançamento da Capricho, a primeira revista feminina do Brasil, o IUB esteve presente com anúncio de página dupla. Esse apoio dado inicialmente ao empresário Victor Civita, fundador da Editora Abril, valeu para o IUB um estreito relacionamento comercial por décadas. "Em 1982, o IUB tinha pendências financeiras com a Editora Abril, fui pessoalmente falar com o senhor Victor Civita, que parcelou a dívida e voltamos a anunciar", relembra Naso.
Ao 54 anos, o empresário praticamente foi criado dentro dos cursos por correspondência. Em 1952, seu avô, José Naso Júnior, fundou a instituição Ensino Técnico Paulista, tendo como base um curso de relojoeiro. Em 1958, foi a vez de seu pai, Luiz Carlos Naso, jornalista da Rádio Marconi, elaborar um curso de fotografia. Com a revolução de 1964, seu pai, cassado nos primeiros momentos do AI-1 (Ato Institucional n.º1), foi trabalhar na empresa herdada de seu avô, que morrera em 1961. Já nos anos 70, seu pai e os irmãos estavam todos trabalhando na Escolas Associadas de Cursos Livres. Em 1982, após a morte de Michael, a viúva Maria Warghaftig vendeu o Instituto Universal Brasileiro para a família Naso.
De lá para cá, muita coisa mudou. O empresário e o irmão José Carlos promoveram uma ampla reestruturação dentro da companhia. Enxugaram a estrutura de 600 funcionários pela metade e contrataram novos profissionais especializados eventuais, que ajudaram na formulação de cursos, apostilas e aulas. Como forma de baratear os custos de produção de materiais utilizados nos cursos práticos – de beleza, corte e costura, eletricista, jardinagem, aroma e outros -, os irmãos montaram um parque gráfico com 7 mil metros quadrados na cidade de Boituva, a 100 quilômetros da capital paulista. "Trabalhamos com um público carente de conhecimento que não pode pagar um curso muito caro", diz Naso.
Dos seis mil alunos anuais que se formam nos cursos por correspondências profissionalizantes, a maioria paga em média entre R$ 300 e R$ 400. Acima desses valores estão os estudantes que fazem supletivo do ensino fundamental e do ensino médio e pagam em torno de R$ 800 pelos cursos. Nestas modalidades, o IUB tem formado dois mil alunos por ano. Na última formatura, em setembro, no clube Piratininga, em São Paulo, o empresário, que é filiado ao Partido Popular Socialista (oriundo do PCB), convidou como paraninfa da turma a ex-candidata a prefeitura da capital paulista Soninha Francine, também do mesmo partido. A candidata ficou emocionada com o depoimento da aluna Araci, uma senhora de 64 anos que tirou o diploma do ensino fundamental. "Minha filha, desde os dez anos sonho com esse dia e finalmente consegui", disse dona Araci para Soninha, que neste dia não falou de política.
Assim como dona Araci, Naso conta que há depoimentos de pessoas que fizeram cursos profissionais no IUB para ajudar no sustento da família. A história mais famosa na coleção de depoimentos da empresa é de uma senhora no sul da Bahia que estudou pelas apostilas o curso de corte e costura. Com o dinheiro do trabalho de costureira ajudou a formar os filhos, entre eles o ex-ministro da Educação Eraldo Tinoco - no governo Fernando Collor de Mello -, morto em abril deste ano.
Uma peça fundamental nos negócios do IUB, desde a fundação, é a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT). "No passado, os Correios serviam de ponto de encontro das pessoas que iam buscar suas correspondências. Era o único conhecimento que o Brasil tinha, tirando as capitais", comenta Naso. O empresário reconhece que os tempos modernos trouxeram o computador às casas das pessoas, mas nem todo mundo tem equipamento nos 5.560 municípios brasileiros. Não é à toa que 45 mil correpondências são enviadas pelo IUB, em Boituva, para seus alunos. "Muitas matrículas hoje são feitas pela internet, porém as apostilas e as lições corrigidas têm de ser mandadas pelos correios", afirma Nazo, em sua sala no 11 andar de um prédio antigo no calçadão da avenida São João, na capital paulista. "O Brasil é muito grande e o nosso pessoal vem do Brasil inteiro", diz confiante no ensino a distância.

(Gazeta Mercantil/Caderno C - Pág. 1)(Edilson Coelho)

Desafios à universidade nos novos tempos

04/11/2008

A democratização das oportunidades de formação superior para incontáveis contingentes de jovens antes privados de tê-las, sem o perecimento da qualidade de ensino, é o desafio maior que se apresenta à universidade contemporânea. E a pergunta que fica é: como vai poder a instituição, nascida para atendimento cultural das elites, reciclar-se a ponto de popularizar sua matrícula, bem como deixar as lições do saber pelo saber, antes transmitidas pela semântica cifrada e codificada da linguagem científica, para aderir ao novo saber pragmático, quase pontual e tecnocêntrico, exigido pelo exercício profissional dos integrantes desta nossa sociedade industrial e de serviços?
Com a afluência das massas às benesses da civilização, bem como a velocidade das mudanças políticas no século XX, as escolas de todos os graus de ensino foram invadidas por multidões de alunos de diferentes origens sociais e capacidades intelectuais. E, em vez de terem reis e papas como mantenedores, passaram as universidades a ser sustentadas por orçamento público e recursos da bolsa dos usuários. Daí que se obrigaram a participar do dia-a-dia do mundo e a serem exigidas como centros de fornecimento de recursos humanos qualificados, necessários ao pluralismo laboral dos mercados. A ciência e a tecnologia estão se sobrepondo às humanidades, e a velocidade das mudanças assusta a todos, pois não dá mais tempo à maturação das novidades que se multiplicam.
A dificuldade maior para os planejadores está em aproveitar a experiência secular do passado, sem, no entanto, desconhecer as exigências dos tempos presentes. A competição dos que se diplomam no ensino superior tende a ser crescente. Sairá vitorioso o mais criativo, o mais culto e o mais apto a reciclar-se rapidamente, ante às exigências da mutação permanente do conhecimento nesta era de incertezas. Como já dizia Bacon a seu tempo: "conhecimento é poder". Mas de que conhecimento se está falando: o dos sábios do passado ou o dos especialistas do presente? Será que a solução para esse enigma não poderia estar na divisão da competência formativa de uma universidade voltada a um bacharelado que explore em profundidade as bases do conhecimento humano, ficando o preparo e o credenciamento profissional com atores outros, como centros de prática e pesquisa ligados às mais diversas profissões, como hospitais, tribunais, empresas, centro de arte e cousas que tais? E no caso dos cursos superiores profissionalizantes não seria melhor que as universidades, por si próprias ou em parceria com outras organizações não-acadêmicas, atuassem no sentido de formar empreendedores, abandonando a tradição de formar profissionais para serem empregados, segundo modelos superados e insuficientes para os reclamos do mercado em sua dinâmica atual?
Diante dessas ambigüidades e da impossibilidade de praticar-se uma futurição confiável, capaz de prever modelos funcionais de universidades do porvir, toda cautela será pouca nas mudanças que se farão, visando ajustar os cursos às demandas presentes, sem pôr a perder as melhores conquistas do passado. Creio que, por suas regras e por seu ritmo próprio de funcionamento, geralmente mais lento que o desejável, as universidades terão que, cautelosamente, ir experimentando, caso a caso, vários tipos de inovações, no que diz respeito ao preparo de seus alunos para o trabalho. Arrisco mesmo a dizer que, no futuro, a universidade deve cuidar do saber, a partir das raízes do conhecimento diversificado que constitui a herança cultural humana, e deixar o fazer por conta dos atores mais pragmáticos que já atuam com sucesso e atualização permanente de seus serviços no mercado.

(Gazeta Mercantil/Caderno C - Pág. 9)
(Paulo Nathanael Pereira de Souza - Doutor em educação e presidente do Conselho de Administração do CIEEE-mail: imprensa@ciee.org.br)

Economia do Nordeste deve crescer acima da média nacional em 2009


04/11/2008
Recife, 4 de Novembro de 2008 - A economia do Nordeste não deverá sofrer os impactos negativos da crise financeira mundial e manterá, em 2008, a tendência verificada nos últimos anos, de crescimento acima do nacional. A avaliação é do economista Alexandre Rands, sócio da Datamétrica Consultoria, com sede no Recife, que projeta um aumento de 5,50% para o PIB nordestino e de 5,18% para o brasileiro. "O Nordeste deve continuar crescendo mais, está numa situação favorável na atração de investimentos em relação a outros estados", analisa Rands, embora acredite que os anúncios de novas fábricas serão reduzidos em 2009 ou pelo menos protelados.
Na região, ele destaca Pernambuco e o Maranhão com previsões para 2008 de elevações do PIB de 6,10% e 6,95%, respectivamente, seguidos pelo Rio Grande do Norte, com 5,41%. Nos dois primeiros estados, o crescimento decorre de resultados da infra-estrutura rodoviária - implantada em governos anteriores - e de recursos naturais como os minérios e o avanço da produção de grãos, enquanto no Rio Grande do Norte é o turismo que puxa o desenvolvimento do estado.
Responsável por cerca de 40% do PIB regional, pelos estudos da Datamétrica, a Bahia deve crescer 5,35% e o Ceará, que junto com Pernambuco tem cerca de outros 40% de participação, 4,78%. "Estes estados estão superando seus problemas e retomando a produção industrial que, no caso do Ceará, sofreu muito com a importação", diz Rands. Para o Piauí, a projeção é de um crescimento de 5,09% e de 5,06% para a Paraíba. Sergipe, que tem um dos melhores PIBs per capita da região, terá uma elevação de 4,87%. O pior desempenho ficará com Alagoas que aumentaria seu PIB em 4,12% em 2008.
Se a indústria nordestina não terá boas lembranças deste ano, o mesmo não se pode dizer da agropecuária. A estimativa de crescimento do Valor Bruto de Produção Agrícola do Nordeste é de 10,9%, acima da brasileira, de 9,07%.
Para 2009, Alexandre Rands prevê um cenário mais otimista que os já apontados após a crise internacional e um crescimento do PIB nacional da ordem de 3,55% e de 3,81% para o Nordeste. "Já se fala em apenas 3,1% para o Brasil, mas não acredito que vamos crescer tão pouco e não me surpreenderia se chegarmos a 4%. A nossa economia está bem estruturada para isso e, 3,55% é um bom padrão para um país em desenvolvimento", considera.
Os grandes projetos em construção em Pernambuco, como a refinaria da Petrobras e o Estaleiro Atlântico Sul, atingirão o pico das obras em 2009, tornando-se fundamentais para que o Estado cresça ao menos 4,20%. O Maranhão, que tem quase R$ 40 milhões em projetos agendados e em implantação, cresceria 5,06%. A desaceleração do crescimento dos Estados e, consequentemente, do Nordeste, segundo Rands, reflete a redução de demandas e das vendas retraídas com a crise.
A elevação do dólar não deve trazer um efeito imediato nas exportações da região, concentradas em commodities agrícolas ou minerais e que não têm sua produção focada no mercado externo. "Fora a Ford, da Bahia, que ainda assim depende de uma estratégia mundial para voltar a exportar, não vejo uma elevação rápida nas exportações. Isso só deve ocorrer se o câmbio continuar alto nos próximos dois a três anos", analisa.

(Gazeta Mercantil/Caderno A - Pág. 8) (Etiene Ramos)

quinta-feira, 9 de outubro de 2008

A crise das ONGs e das políticas sociais

Paul Singer*

Há mais de um ano as relações entre o Estado brasileiro e as organizações não-governamentais estão em estado quase catatônico

HÁ MAIS de um ano as relações entre o Estado brasileiro e as organizações não-governamentais estão em estado quase catatônico, devido a um enrijecimento crescente dos controles de convênios que regem as parcerias entre ambos.As causas desse enrijecimento são múltiplas. O número de ONGs vem crescendo cada vez mais depressa, conforme os censos do IBGE das Fasfil (fundações e associações sem fins lucrativos): em 1996, havia 107.332 no Brasil; em 2002, elas passaram a ser 275.895; em 2005 (último censo), eram 338.162. Se o ritmo de crescimento do último triênio meramente se manteve, o número de ONGs deve neste ano andar por volta de 416 mil.A análise dos resultados do censo de 2005 pelo IBGE aponta algumas razões desse crescimento acelerado: "A idade média das Fasfil, em 2005, era 12,3 anos, e a maior parte delas (41,5%) foi criada na década de 1990.Entre os vários fatores que contribuíram, naquele momento, para o crescimento acelerado dessas entidades, destaca-se o fortalecimento da democracia e da participação da sociedade civil na vida nacional".Mais adiante, o texto do IBGE diz que a maioria das entidades a partir dos anos 1990 é voltada para a promoção do desenvolvimento e da defesa dos direitos e interesses dos cidadãos.À medida que o Brasil se redemocratizou e passou a eleger governos cada vez mais comprometidos com políticas sociais de redistribuição da renda e de luta contra a exclusão social e a pobreza, era inevitável que essas políticas exigissem o engajamento de um número crescente de ONGs dedicadas à educação popular, à prevenção das causas da mortalidade infantil e subnutrição, à organização dos trabalhadores excluídos em associações autogestionárias e muitos outros objetivos análogos.Com a expansão do número dessas entidades, vieram ONGs falsas, criadas para se apoderarem em proveito próprio de parte das verbas destinadas àquelas políticas.As fraudes perpretadas pelas falsas ONGs são da mesma índole das praticadas pelos que desviam o recurso público destinado à compra de bens e à contratação de serviços a fim de assim se locupletarem.As denúncias de fraudes cometidas por meio de ONGs repercutem do mesmo modo que os demais escândalos de corrupção, colocando-as num contexto que leva à suspeita todas as políticas sociais do governo federal.Como reação natural, os órgãos de controle internos e externos ao governo passam a exigir novos controles, mais rígidos, além de substituir as parcerias entre o governo e as ONGs por chamadas públicas, o que destrói a confiança mútua construída em anos de colaboração entre os dois lados que conveniam e, em seu lugar, instaura a competição entre ONGs que atuam nos mesmos setores.Estão sujeitos às novas regras institutos de pesquisa científica, entidades de assistência social, hospitais e universidades que não visam lucro, sindicatos, cooperativas, associações esportivas, entidades do Sistema S de ensino profissional, organizações indígenas, de quilombolas etc.É óbvio que fraudes têm de ser prevenidas e severamente reprimidas, mediante controles cuidadosos e eficazes da natureza da entidade a ser conveniada, do valor a ser expendido, da efetiva execução das ações programadas e dos resultados alcançados.Mas é fundamental evitar que os controles se somem e se multipliquem, o que não aumenta sua eficiência, só absorve recursos que deveriam ser aplicados na realização dos objetivos dos convênios.Infelizmente, chegou-se ao extremo de assimilar os procedimentos dos convênios com ONGs aos da contratação de empresas de porte com fins de lucro. O que praticamente impede a realização de convênios com ONGs pobres, emanadas de comunidades carentes, as quais prestam serviços relevantes. E tende a entregar ao mercado a prestação de toda a gama de serviços acima referidos.Não há motivos para duvidar das boas intenções dos que promovem a exacerbação dos controles, mas seus efeitos tendem a ser desastrosos para o povo pobre, que depende de serviços gratuitos de saúde, educação, assistência social etc.É necessário que o desenho dos controles tenha a participação não só de representantes dos órgãos de controle e prevenção de fraudes mas também dos órgãos do governo que realizam convênios para cumprir as missões que a lei lhes atribui e sobretudo dos representantes das próprias ONGs autênticas, que são as maiores interessadas em coibir as práticas desonestas, que só as prejudicam, como as ocorrências do último ano fartamente comprovam.

PAUL SINGER , 76, economista, professor titular da Faculdade de Economia e Administração da USP, é secretário nacional de Economia Solidária do Ministério do Trabalho e Emprego. Foi secretário municipal do Planejamento de São Paulo (gestão Luiza Erundina).

quarta-feira, 8 de outubro de 2008

Produção industrial cresce no Nordeste em agosto

Brasília, 7 de Outubro de 2008

produção industrial em agosto de 2008 cresceu em 12 das 14 regiões pesquisadas pelo IBGE, se comparado ao mesmo período do ano anterior. Em oito das 14 áreas investigadas (treze Estados e a região Nordeste) foi registrado crescimento acima da média nacional (2%), onde destacaram-se, em termos de ritmo de expansão, Pará (10,3%), Espírito Santo (7,1%), Bahia (7%) e Goiás (6,7%), beneficiadas pelo desempenho positivo das indústrias extrativas, celulose e papel e produtos químicos. Na comparação com julho de 2008, houve expansão em oito locais pesquisados. Os destaques foram Pernambuco (5,3%), Bahia (4,4%), e Ceará (2,4%). A região Nordeste, alvo da pesquisa, ficou com 3,1%. O aumento da atividade industrial no período foi registrado também no Pará (1,6%), Espírito Santo (1,4%), Santa Catarina e Rio Grande do Sul (ambos com 0,7%). O indicador acumulado de janeiro até agosto mostrou expansão em todas as regiões, com oito crescendo acima da média nacional (6%), das quais três registraram taxas de dois dígitos: Espírito Santo (14,6%), Goiás (12%) e Paraná (10,4%). O crescimento em São Paulo (8,8%) também ficou acima da média nacional. Nesses locais, o dinamismo foi influenciado pela ampliação da fabricação de bens de consumo duráveis e de bens de capital; à recuperação do setor agrícola; ao desempenho positivo das commodities exportadoras; além do vigor observado no mercado doméstico.Pará – o Estado do Pará foi o líder em crescimento industrial em agosto, na comparação com igual período do mês anterior. A expansão foi de 10,3% e no acumulado do ano ficou em 7,0%. Nos últimos doze meses, o Pará avançou 5,3%. Na comparação com agosto de 2007 (10,3%), quatro dos seis segmentos apontaram taxas positivas, com destaque para a indústria extrativa (12,9%) e metalurgia básica (15,8%), onde sobressaíram os itens minérios de ferro e minérios de manganês em bruto; e óxido de alumínio e ferro-gusa, respectivamente. Em sentido contrário, o maior impacto negativo veio de madeira (-25,1%), pressionada pela menor produção de madeira compensada e serrada. O crescimento de 7,0% no acumulado no ano foi sustentado pela expansão observada em cinco ramos. Os principais impactos positivos vieram da indústria extrativa (9,8%) e, em menor medida, da metalurgia básica (6,4%). Por outro lado, madeira (-18,9%), com a sexta queda consecutiva nessa comparação, exerceu a única pressão negativa.Nordeste - A indústria do Nordeste, em agosto, cresceu 3,1% frente a julho. Na comparação com igual mês do ano anterior, houve aumento de 1,4% e no indicador acumulado no ano, 3,6%. Na comparação entre os meses de agosto de 2008 e de 2007, o resultado de 1,4% foi decorrente, sobretudo, dos aumentos observados em sete dos onze segmentos pesquisados, com os principais impactos positivos vindo de celulose e papel (40,5%), indústria extrativa (6,1%), produtos químicos (1,8%) e refino de petróleo e produção de álcool (2,7%).

(Informativo Em Questão - editado pela Secretaria de Comunicação Social da Presidência da RepúblicaNº 710)

sexta-feira, 3 de outubro de 2008

Cadê as bibliotecas?

Faltam espaços e profissionais para o funcionamento das salas de leitura

A leitura é pré-requisito básico para a formação de um cidadão. Para compreender a própria língua, as imagens, os códigos, os gráficos, um aluno precisa aprender a ler. Só assim ele será capaz de aprender os conteúdos transmitidos em sala de aula e conseguirá bons conceitos em avaliações nacionais e internacionais. O desafio para formar leitores, imposto às escolas e educadores, é enorme. E o pior: as condições para superá-lo não são as melhores. Apesar de o Ministério da Educação e os governos locais já investirem na aquisição de livros para as escolas públicas, ainda faltam espaços para promover a leitura. As bibliotecas não são realidade em todos os colégios. Aliás, existem a proporção de bibliotecas escolares no país é pequena. De acordo com a Secretaria de Educação Básica do MEC, existem 10.822 bibliotecas nas escolas públicas de ensino médio do Brasil. Isso representa 63,4% do total de estabelecimentos de ensino nessa etapa. No ensino fundamental, há 30.506 bibliotecas, localizadas em apenas 22,3% das escolas. No Distrito Federal, os números do último Censo Escolar, de 2006, assustam ainda mais. Do total de 620 escolas que compõem a rede pública (considerando todas as etapas da educação básica), apenas 75 possuem bibliotecas ou salas de leitura. No caso do ensino médio, que possui 77 colégios, apenas nove aparecem na lista das que possuem o espaço. Gilmar Vilela da Silva, gerente de multimídia da Secretaria de Educação do DF, responsável pelas bibliotecas escolares, admite que a realidade está longe do desejável. “É uma preocupação. Todas as escolas precisam de bibliotecas. Falta pessoal e espaço”, diz. Não existe concurso para bibliotecários na rede pública. Professores que precisam deixar a sala de aula acabam exercendo o papel desses profissionais. Mas ainda assim a quantidade é insuficiente. Além disso, como a sala de aula é prioridade para a Secretaria de Educação, muitos desses educadores foram retirados das bibliotecas que cuidavam para suprir carências de professores nas escolas. O resultado é que há espaços destinados aos livros trancados e acumulando poeira em vários colégios. Norma Lúcia Queiroz, professora do Departamento de Métodos e Técnicas da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília, diz que as bibliotecas são espaços indispensáveis para a formação dos alunos. “Ninguém se torna leitor se não tiver lugar onde escolher obras e perceber que o ambiente é seu”, ressalta. Ela destaca que o professor que está em sala de aula precisa ser envolvido nas atividades de promoção da leitura para que o processo seja eficiente. As ações Gilmar destaca que os acervos das escolas estão sendo formados a partir de programas do MEC, como o Programa Nacional Biblioteca na Escola (PNBE), que envia títulos de literatura e obras de referência aos colégios, e o Ler é legal, da própria secretaria, que dá créditos às escolas para que os alunos comprem as obras de seu interesse durante a Feira do Livro de Brasília. Há também outros dois projetos em andamento para fortalecer a leitura: a Caixa-estante (minibiblioteca que circula pelas salas de aula) e Leitura de jornais (que distribui jornais às escolas). O PNBE foi criado em 1997 com o intuito de ajudar as escolas do país a formar acervos literários e de livros paradidáticos, que incentivassem a formação de leitores. Ao longo desses anos, a Secretaria de Educação Básica do MEC percebeu que só a distribuição de livros não resolve o problema. “É preciso formar o professor para a importância da leitura e do uso da biblioteca, e sensibilizar os gestores para a necessidade de dar aos jovens acesso a esses bens culturais”, destaca Jane Cristina Silva, coordenadora geral de Materiais Didáticos. O ensino médio foi incluído no PNBE este ano e todas as escolas receberam 139 títulos diferentes (de acordo com o tamanho, os colégios receberam até três exemplares de cada). No ano que vem, serão mais 300. O ministério estuda agora formas de tornar a biblioteca parte da realidade de todos os colégios. “A leitura não pode ser um momento estanque na vida do aluno. Tem de estar integrada ao cotidiano da escola, como uma das bases do projeto pedagógico”, ressalta Jane.

(Matéria Especial - Caderno Gabarito – Correio Braziliense, 29/09/2008)

O exercício de criar um futuro sustentável

Juliana Lopes

Parece haver um consenso entre especialistas de que as universidades ainda não estão preparando profissionais em quantidade e com competência suficiente para enfrentar os desafios globais da sustentabilidade. Prova disso é que os mais brilhantes cérebros da atualidade não têm conseguido desenvolver modelos econômicos, políticos e científicos eficientes para a solução de questões complexas como, por exemplo, as mudanças climáticas ou as desigualdades sociais. Segundo Jane Nelson, diretora do Centro de Iniciativa para Responsabilidade Social Empresarial da Universidade de Harvard, o sistema formal de ensino não evolui na mesma velocidade com que ocorrem as mudanças na sociedade. "Há cerca de seis anos, o aquecimento global não tinha o destaque de hoje. Foi só nos últimos dois anos que o mundo acordou para o problema. Mas a maioria das universidades ainda não dispõe de programas de pesquisa e aulas voltadas para as mudanças climáticas. Não há especialistas suficientes para dar conta dessa tarefa porque se trata de um campo totalmente novo. Cientistas, políticos e empresários estão tendo que aprender à medida que trilham o caminho", ressalta Jane. As instituições de ensino não estão sozinhas nesse desafio. Formar profissionais capacitados para enfrentar os desafios da sustentabilidade é uma tarefa a ser compartilhada com as empresas. No entanto, há uma confusão acerca do papel de cada um desses segmentos da sociedade e sobre como eles podem unir esforços na formação dos indivíduos. Esta é a opinião de Ricardo Young, presidente do Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social. "As organizações entendem que precisam ser espaços de aprendizado permanente, produtores de saberes e de inteligência. Por isso, criam suas universidades corporativas. Do outro lado, as universidades refletem sobre a sua função na sociedade e chegam à conclusão de que precisam formar pessoas para o mercado. Aí o que elas fazem? Tecnicizam a educação e repassam a alma para a segunda ou terceira prioridade no processo educacional. Assim, temos um belo diálogo de surdos e mudos: empresas que querem aprender, buscando emular o papel da universidade e universidades que querem servir ao mercado emulando empresas e se despindo da sua função tradicional e educadora", contextualiza Young. No livro "Higher education and the challenge of sustainability" (Educação superior e o desafio da sustentabilidade, ainda sem tradução para o português), Peter Blaze Corcoran e Arjen E.J. Wals defendem que a sustentabilidade, mais do que assunto adicional no já sobrecarregado currículo, representa a oportunidade de abertura para uma visão diferente das disciplinas, da pedagogia, da mudança organizacional e, particularmente, da ética. Jane, de Harvard, endossa a opinião dos dois autores. "As escolas de negócio e as empresas devem criar um sistema de ensino que favoreça a compreensão dos sistemas globais, desenvolva o pensamento sistêmico e a capacidade de reconhecer, identificar e valorizar a interdependência. Esse sistema precisa estimular o empreendedorismo, a inovação, a liderança e a convergência de saberes entre os diferentes segmentos da sociedade", ressalta. Transformação de modelos mentais Como desencadear esse processo de mudança no ritmo exato com que se apresentam os desafios relacionados à sustentabilidade constitui um grande dilema para pesquisadores, especialistas e empresas. Em busca de respostas, um grupo de pesquisadores da Society for Organizational Learning (SOL), entrevistou líderes de diferentes segmentos para saber que fatores determinaram, de modo específico, o seu aprendizado. A organização foi fundada pelo consultor Peter Senge, o famoso guru da gestão do conhecimento, como forma de dar continuidade aos trabalhos de aprendizagem organizacional iniciados no Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT). As conclusões desse estudo resultaram no livro Presença - Propósito humano e o campo do futuro, escrito a oito mãos por Peter Senge, Otto Scharmer, Joseph Jaworski e Betty Sue Flowers. Os especialistas perceberam que as grandes descobertas eram quase sempre conseqüência de um momento de introspecção e ruptura com padrões e pensamentos pré-concebidos. "Após uma bateria de cerca de 150 entrevistas com executivos, pesquisadores e cientistas chegou-se à conclusão de que os grandes insigths de inovação na vida dessas pessoas estavam relacionados a um exercício radical de autoconhecimento e percepção, tarefa para a qual precisaram abrir mão do que já sabiam. Da sensação de colocar-se disponível surgiram novas formas de ação, novos produtos e abordagens para a própria empresa ou para uma teoria científica", explica Maria Cristina d''Arce, coordenadora da Society for Organizational Learning Brasil. Juntos, os autores criaram a chamada Teoria U que propõe uma fonte mais profunda de aprendizagem associada à capacidade de "presenciar", isto é de sentir, de perceber intimamente e de se integrar ao objeto proposto pela mudança. Essa habilidade decorre de um estado de mente, coração e vontade francamente abertos para a possibilidade de aprender não apenas usando a experiência anterior, mas a partir da construção prática de uma visão de futuro. "A transformação dos modelos mentais está na essência da Teoria U. Ela sugere o mergulho em um espaço muito profundo de percepção e a abertura para o futuro que deseja emergir. Isso não é exatamente o que está no modelo mental, mas sim algo que decorre das descobertas proporcionadas pelo movimento de descida do U", afirma Cristina d''Arce. Na opinião dos criadores da Teoria U, enfrentar os desafios atuais exige das pessoas parar de "fazer download" de antigos padrões. Isso significa deixar de reafirmar julgamentos habituais para desacelerar e aprender a escutar de forma mais profunda, aberta e coletiva, a fonte suprema de toda a grande liderança - sua autoconsciência e autoconhecimento. "Em um mundo complexo, no qual a colaboração intersetorial e a inovação constituem fatores de sobrevivência, não existe liderança possível se não houver um profundo processo de autoconhecimento", concorda Young, do Instituto Ethos. A grande novidade da teoria não está, como pode parecer, no processo de introspecção individual, bastante comum nas diferentes tradições, mas na apropriação coletiva do objeto da mudança para alcançar a inovação social. Segundo Cristina, esse processo costuma se observar nas jornadas de aprendizagem, em que grupos de pessoas são convidados a refletir sobre uma determinada questão, tomando contato com a realidade e buscando respostas a partir de experiências e descobertas conjuntas. "A mesa do escritório é o pior lugar para olhar o mundo. A experiência da descida do U precisa ser vivenciada em jornadas de aprendizagem. Por meio delas, mergulha-se em uma determinada realidade, sem julgamentos, convive-se com outras pessoas de modo que a inteligência que vai brotar não é individual, mas coletiva", destaca Cristina. "Depois de desacelerar, escutar e sentir, o próximo passo na descida do U é fazer o que chamamos de prototipar, que significa concretizar as possibilidades futuras, transformando intenções em ações. Quando a pessoa deixa de agir a partir do seu downloading, emerge um outro universo sobre o qual ela jamais tinha pensado. Assim o futuro surge a partir dela mesma", afirma Cristina. Teoria U nos negócios Apesar de se escorar em métodos à primeira vista distantes da realidade de negócios, como, por exemplo a mentalização, a teoria U está longe de ser apenas filosófica. Na publicação "Adressing the blind spot of our time", Otto Scharmer relata experiências de implementação da Teoria U em empresas ao redor do mundo. A partir do aprendizado do U, corporações importantes estão buscando, por exemplo, formas de tornar a produção de alimentos mais sustentável. Carrefour, General Mills, Nutreco, Organic Valley Cooperative, Rabobank, Costco, US Food Service, Sysco, Unilever e a brasileira Sadia compõem o Sustainable Food Lab. O grupo conta ainda com o apoio da International Finance Corporation (IFC), ligada ao Banco Mundial, e de organizações não-governamentais como o World Wildlife Fund (WWF) e The Nature Conservancy para estimular inovações na cadeia produtiva de alimentos, o aumento da demanda por produtos sustentáveis, mudanças nos padrões de consumo e políticos. A Shell também se utilizou de alguns elementos da teoria U em uma de suas unidades na Holanda. Lá, a planta industrial vinha enfrentando problemas em seu processo produtivo, atribuídos à implementação de um novo software SAP. Depois de uma série de entrevistas com os funcionários, percebeu-se que a origem dos problemas era, na verdade, o descontentamento com o clima organizacional. Ao invés de buscar novas metas especificamente de negócios, a corporação optou por criar um ambiente favorável ao aprendizado e à inovação. A mudança na cultura organizacional acabou sendo o elemento-chave para a melhoria dos indicadores de desempenho. Veja mais no site: www.ideiasocioambiental.com.br

(Gazeta Mercantil/Caderno A - Pág. 14 - 30/09/2008)

Mão-de-obra dos canteiros para suprir a demanda

Marlus Renato Dall'Stella - Presidente do Sindicato da Indústria da Construção

Entre os diversos e freqüentes desafios que se antepõem ao desempenho da construção pesada no Brasil, considerada de alto potencial e eficiência no mundo inteiro, a escassez de mão-de-obra especializada é um dos mais importantes a serem enfrentados na atualidade. Relegada ao segundo plano durante algum tempo, em virtude da ausência de investimentos respeitáveis em obras públicas, por razões exaustivamente conhecidas, a formação técnica de pessoal para o setor criou uma espécie de vácuo entre a oferta e a procura. Assim que a área passou a receber a atenção indispensável ao progresso da nação, essa defasagem se agigantou e passou a exigir atenção redobrada das empresas e entidades ligadas à construção pesada. A pesquisa de emprego realizada todo o mês pelo Sinicesp e que é considerada um termômetro do setor tem registrado um aumento constante no número de trabalhadores. Atualmente as empresas associadas ao sindicato têm quase 50 mil empregados contratados, um aumento de mais de 30% em relação ao mesmo período do ano passado. Assim, é auspicioso recente convênio entre a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) e o Sinicesp objetivando início imediato de uma série de cursos a serem ministrados por professores do Senai. A parceria inicialmente contempla 576 trabalhadores, em atividades curriculares realizadas no próprio canteiro de obras de uma construtora associada ao Sindicato, em Campinas. Logo mais, esse universo contemplará cerca de 5 mil trabalhadores, prova de que as principais lideranças dessa atividade estão atentas às necessidades, não apenas empresariais, mas também no que se refere à promoção humana e ao aumento de oportunidades de trabalho para esse tipo de mão-de-obra. Cumpre destacar, nesse processo destinado à qualificação da mão-de-obra, a efetiva participação do presidente da Fiesp, Paulo Skaf, que tem se empenhado para que o Senai cumpra a grande missão estratégica de olhar para o futuro e participar do anseio da sociedade que deseja oportunidades de trabalho, capacitando-se para o exercício profissional num mundo moderno cuja principal exigência é a educação profissional. É interessante ressaltar que a solução encontrada na parceria firmada levará a escola ao canteiro de obra, em uma inversão de papéis pouco comum em quase todas as áreas do conhecimento técnico. O Senai montará salas de aula nos próprios canteiros de obras e oferecerá cursos para áreas de manutenção de máquinas e equipamentos, laboratoristas de solos, concreto e asfalto, motoristas de caminhões, operadores de escavadeiras, pá carregadeiras, motoniveladoras, compactadores, espargidores e equipamentos de britagem, entre outras atividades específicas na construção pesada. As empresas cederão áreas nos canteiros de obras, assim como equipamentos pesados, próprios ou alugados, enquanto o Senai fornecerá professores, assumindo, em princípio, os custos da primeira turma de cada especialidade, permitindo que interessados em ingressar nas diferentes modalidades tenham inscrições gratuitas. Abre-se com essa parceria, e outras que poderão ser firmadas, amplo espectro de formação de técnicos, que não diz respeito apenas ao interesse pontual das construtoras na atualidade, mas com repercussão social de envergadura no bem-estar dos trabalhadores envolvidos nessa promoção. É importante ressaltar sempre que nosso setor de atividade, a construção pesada, depende do poder público e da locação de recursos oficiais para execução de obras e serviços, tanto no âmbito estadual quanto nas áreas dos municípios e, também, da União. Obras dessa natureza representam a própria essência da atividade da construção pesada, interessam aos empresários do setor, mas acima de tudo, incorporam-se com absoluta distinção ao sonho de um país moderno, socialmente equilibrado e capaz de fornecer suporte estrutural a todas as conquistas tecnológicas da vida moderna. Assim, este primeiro passo visando à formação de mão-de-obra especializada nos próprios canteiros de obras e circunvizinhanças, com professores oriundos de uma entidade como o Senai, de amplos serviços prestados ao nosso e a outros setores técnicos, permite visualizar amplo horizonte para essa e outras parcerias dessa natureza. Com resultados expressivos para todos os envolvidos e, sem dúvida, para a Nação brasileira.

(Gazeta Mercatil - 24/09/2008)

terça-feira, 23 de setembro de 2008

Royalties do petróleo não melhoram educação no Rio

Antônio Goisda - Sucursal do Rio

Se o país realmente quiser utilizar recursos da exploração de petróleo na camada pré-sal para investir em educação, como tem defendido o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, seria prudente, antes, analisar com lupa os resultados das cidades que mais recebem royalties de petróleo em todo o Brasil.Um estudo da Universidade Candido Mendes mostra que no Rio de Janeiro -Estado que mais recebe royalties no país- os indicadores de qualidade e de infra-estrutura nas escolas dos nove municípios mais agraciados com recursos do petróleo em nada se destacam em relação a escolas do Sudeste.A pesquisa, de Gustavo Givisiez e Elzira Oliveira, será apresentada no 16º Encontro Nacional de Estudos Populacionais, que começa no final do mês. O estudo aponta que, na média, os royalties não fizeram diferença até 2006, quando se analisa o conjunto de escolas de Quissamã, Rio das Ostras, Carapebus, Macaé, Casimiro de Abreu, Búzios, Campos dos Goytacazes, São João da Barra e Cabo Frio -cidades do Rio.No trabalho, Givisiez e Oliveira compararam dados de infra-estrutura (computadores e bibliotecas, por exemplo), professores com nível superior e desempenho das escolas no Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica).Foi verificado que, mesmo com recursos significativos de royalties nos últimos dez anos, as escolas dessas cidades não se destacaram em relação às demais ao se comparar a evolução de índices entre 2000 e 2006.O estudo não destaca a situação de cada município separadamente, mas uma análise da Folha só nos resultados do Ideb, de 2005 a 2007, mostra avanços em determinadas cidades, entre as 20 que mais receberam royalties no país em 2007. Outras, no entanto, estagnaram ou pioraram.O Ideb é um indicador do MEC que avalia a educação pelas taxas de aprovação e pelo desempenho dos alunos em português e matemática.Rio das Ostras (170 km do Rio), por exemplo, avançou de 2005 a 2007 em ritmo superior à média das cidades do Estado.A rede de educação municipal de Rio das Ostras ficou entre as que mais evoluíram e foi a terceira melhor do Estado nos anos iniciais do ensino fundamental (da primeira à quarta série). Nas séries finais (da quinta à oitava), a rede de ensino ficou na quarta posição.Já Cabo Frio ainda não traduziu em melhoria da qualidade os recursos dos royalties de petróleo. Em 2007, foi a terceira cidade do país em royalties.Nas séries iniciais do ensino fundamental, o avanço foi de 0,1 ponto no Ideb (em Rio das Ostras, foi de 0,9), o que põe Cabo Frio no 55º lugar entre as 91 cidades comparadas no Estado. Nas séries finais, o desempenho piorou 0,2 ponto no Ideb. Com isso, Cabo Frio ficou em 35ª lugar entre 83 cidades com resultados nessas séries.

Folha de S. Paulo, 15 de setembro de 2008

terça-feira, 9 de setembro de 2008

Brasil interditado


Antônio Márcio Buainain*


Tensões entre desenvolvimento e meio ambiente são permanentes e inevitáveis e se vêm traduzindo num marco institucional cada vez mais rigoroso que busca preservar a Natureza, mas que muitas vezes tem ignorado a realidade que pretende proteger.

O Brasil é sempre citado pela abundância de recursos naturais e pela grande disponibilidade de terras para ampliar a produção de alimentos e energia, realizar uma reforma agrária sem os conflitos do modelo atual baseado na desapropriação, criar novas cidades nas fronteiras e construir obras de infra-estrutura necessárias para o desenvolvimento. Certo? Não! Estudo da Embrapa Monitoramento por Satélite, sobre o alcance da legislação territorial, assinado por Evaristo Miranda, chefe geral da unidade,revela um país interditado e que vive em grande medida na ilegalidade. "A rigor, em termos legais, apenas 7%do bioma da Amazônia e33% do País seriam passíveis de ocupação econômica urbana,industrial e agrícola." O fato é que nos esquecemos de levar em conta que, "um número significativo de áreas foi destinado à proteção ambiental e ao uso territorial exclusivo de populações minoritárias".

O estudo subestima a disponibilidade de terras,pois contabiliza apenas as terras indígenas, as áreas de conservação federal e estaduais e parte das áreas de preservação permanente, deixando de fora as áreas de conservação municipais, as reservas particulares de patrimônio natural,as áreas de proteção ambiental de Estados e municípios e as reservas especiais. O estudo também não contabiliza as terras já ocupadas por cidades e as obras de infra-estrutura.

A análise da disponibilidade de terras por Estado mostra uma situação ainda mais restritiva.Na Região Norte a disponibilidade de terras não passa de 11%. A rigor, aí "deveriam estar capitais, cidades e vilarejos, áreas de agricultura, indústrias, todas as obras de infra-estrutura, incluindo as do PAC,e boa parte de seus quase 25 milhões de habitantes". Nos Estados do Centro-Oeste, onde hoje se concentra a fronteira mais dinâmica de expansão do agronegócio, o único que dispõe de terras para ocupar é Goiás.Segundo a estimativa da Embrapa, Mato Grosso do Sul dispõe de 200 mil km² para ocupação, em torno de 57% da área do Estado. Parece alto, mas os dados preliminares do Censo Agropecuário revelamqueem2007asáreasde lavoura e pecuária já superavam 210 mil km². Aparentemente os Estados da Região Nordeste, com disponibilidade de terras acima de 70%, estão em situação melhor. Outro engano, já que, embora a legislação ambiental territorial não imponha restrições para a ocupação do semi-árido, aí se encontra a maior parte da área de 1.338.076 km² que o Plano de Ação Nacional de Combate à Desertificação e Mitigação dos Efeitos da Seca (PAN) considera seriamente ameaçada de desertificação. O bioma da Amazônia atrai mais atenção da mídia internacional, mas a situação do semi-árido é mais grave, até porque a densidade populacional e a pobreza elevada exercem forte pressão sobre o frágil ecossistema da caatinga. Esses números indicam a necessidade de rever tanto a legislação como o modelo de expansão horizontal da fronteira.

A tradição no Brasil é de ignorar as leis que afrontam a realidade e ou as que são inconvenientes para os interesses de grupos particulares. Dizia se que a lei "não pegou" e nada acontecia. Felizmente essa situação de impunidade vem mudando nos últimos 20 anos e, aos poucos, entre acertos e erros, a democracia, com o regime da lei,vai se impondo.

Hoje, o desrespeito às leis - sejam elas válidas ou não - pode ter custos privados e sociais elevados. As instituições públicas, tão ineficientes para prestar serviços a que os cidadãos têm direitos e pelos quais pagam caro, têm sido cada vez mais eficazes quando se trata de arrecadar recursos e de punir por alguns" crimes", entre eles o ambiental.

As multas, que em geral precisam ser pagas para serem questionadas, continuam indexadas e crescem enquanto se discute sua validade. A morosidade da Justiça retira do cidadão o único instrumento que ele tem para se proteger do próprio Estado. Isso significa que já não é possível aprovar leis e assinar normas, portarias, etc., sem antes avaliar suas reais conseqüências para os cidadãos e para a sociedade em geral. Uma legislação ruim contribui pouco ou nada para alcançar os objetivos a que se propõe, mas pode pôr milhões de cidadãos na ilegalidade e interditar o processo de desenvolvimento.


*Antônio Márcio Buainain é professor do Instituto de Economia da Unicamp. Email: buainain@eco.unicamp.br

quarta-feira, 27 de agosto de 2008

Dr. Julio, ''O Drama das Secas'' e ''O Retorno''

Rodolfo Nanni*
No dia 29 de abril de 1959, o dr. Julio de Mesquita Filho, diretor de O Estado de S. Paulo, escreveu na seção Notas & Informações um artigo sob o título O drama nordestino. Esse artigo tinha relação direta com o meu filme O Drama das Secas, a que o dr. Julio assistira durante a entrega dos Prêmios Saci, concedidos anualmente pelo jornal a diversas atividades culturais.

O Drama das Secas foi realizado com pequena verba conseguida por Josué de Castro, então presidente da Associação Mundial de Luta Contra a Fome (Ascofam). Josué acreditava, como eu, na importância de se fazer um filme que abordasse a questão da fome no Nordeste. Era o ano de 1958 e o filme registrou o grande êxodo que as secas daquele ano haviam provocado.

Dr. Júlio inicia o seu artigo citando A Bagaceira, de José Lins do Rego, e O Quinze, de Rachel de Queiroz, "duas grandes obras literárias onde o Nordeste perpassa num trágico desfile de cenas dolorosas. Mas, pelo seu alto valor artístico, impõem-se mais como marcos miliares da nossa história literária do que como documentos flagrantes e reais do drama nordestino".

E prossegue: "Vem isto a propósito de um documentário cinematográfico premiado e exibido anteontem no festival do ?Saci?. Trata-se de ?O Drama das Secas?, do sr. Rodolfo Nanni. Raro ou nunca nos foi dado assistir a uma tão dolorosa sucessão de quadros sobre essa luta desigual do homem brasileiro contra a extrema agressividade do solo e clima do Nordeste. Tudo o que havíamos lido e consultado até hoje, acerca desse magno problema, nos levara irresistivelmente para o caminho de soluções mais sentimentais do que práticas. Pungia-nos sobretudo a fome e o abandono a que eram votadas essas legiões de patrícios, eternamente empenhados na luta com a hostilidade do meio (....). Anteontem, porém, à medida que o documentário do sr. Rodolfo Nanni ia desenrolando a nossos olhos as cenas dantescas que a sua câmera fixara nos escaldantes sertões do Nordeste, vimo-nos insensivelmente levados a perguntar-nos se não estarão redondamente enganados os que, traçando planos grandiosos para a solução do problema, deixam de lado um dos seus aspectos principais: o estabelecimento de um estudo preliminar por meio do qual se certifiquem da praticabilidade ou impraticabilidade dos planos."

Relatos sobre as secas são conhecidos desde o século 16 (Fernão Cardim ressalta, em suas crônicas, a situação dos índios do sertão, os quais se abrigaram junto aos brancos e aí ficaram, "por sua ou sem sua vontade"). Mais recentemente, a seca de 1932, no Ceará, fez com que o governo do Estado criasse sete campos de concentração - chamados de currais - nos quais confinou as populações de retirantes que chegavam a Fortaleza. Marco Antônio Villa, em seu competentíssimo livro Vida e Morte no Sertão, relata a morte de 3 milhões de pessoas pela fome, entre 1825 e 1983.

A partir dos anos 1950, grande número de nordestinos começou a migrar para o Sudeste, a fim de trabalharem como operários, sobretudo na construção civil. Impossibilitados de plantar alimentos em suas terras, vieram plantar prédios na cidade de São Paulo, abandonando solos férteis, tornados improdutivos apenas pela má administração dos recursos hídricos.

Para realizar O Retorno, filmado 50 anos depois de O Drama das Secas, rodei 5 mil quilômetros pelas regiões do Agreste e do Sertão nordestinos, repetindo, praticamente, o percurso anterior. Desta vez, dei prioridade a retratar a situação das famílias dos pequenos lavradores pernambucanos, num roteiro que incluía o interior dos municípios de Garanhuns, Águas Belas, Itaíba, Manari, Inajá, Tacaratu, Caraibeiras, Ibimirim, Serra Talhada e Pesqueira.

Estava certo, para mim, que não desejava realizar um filme de simples denúncia.

O que me norteou foi a possibilidade de revelar, mais uma vez, o retrato de uma situação que nenhum de nós, brasileiros, deveria aceitar.

Evitei entrar em questões políticas. Mas é urgente a criação de uma ação que possa corrigir essa inadmissível situação.

Encontrei, agora, cidades mais desenvolvidas, mas em desacerto com o campo.

Filmei açudes imensos, grandes mares de água doce que se fecham em si mesmos. Água à qual os pequenos lavradores não têm acesso. Não foram construídos sistemas de irrigação nem fornecidas possibilidades para o financiamento e a compra de bombas que possam levar a água até eles. Meio século depois, em muitos sítios ainda se andam quilômetros para buscar água numa cacimba, o pote à cabeça. Meio século depois, ainda se vive, em parte, da caça e o pouco que se consegue plantar servirá apenas para o consumo doméstico. Meio século depois, mulheres dão à luz seus filhos sem assistência adequada. Meio século depois, crianças e jovens sonham com um futuro que deverá passar necessariamente pela educação, suprida - em muitos casos - apenas pela boa vontade de um adulto sem formação específica. Meio século depois, tempo em que o mundo experimentou avanços tecnológicos e científicos de grande magnitude, há populações que, a uma hora das cidades que compõem os seus municípios, são obrigadas a viver como em tempos coloniais.

Como já dizia Josué de Castro, a seca não é o principal problema do Sertão, uma vez que o homem poderá conviver com ela, desde que convenientemente administrada. E, como dizia o dr. Júlio, há que se traçar planos e testar a sua praticabilidade.

Meio século depois, eu me pergunto como será o futuro dessas regiões, nos próximos 50 anos, considerando-se as mudanças climáticas que atingirão ainda mais duramente as áreas de seca. O que estamos ainda esperando?

*Rodolfo Nanni é cineasta

Quarta-Feira, 20 de Agosto de 2008, O Estado de S. Paulo

segunda-feira, 25 de agosto de 2008

Inclusão enviesada

Prouni, traz alunos de baixa renda para o ensino superior, mas educação
profissional de nível médio carece de atenção
O PROUNI (Programa Universidade para Todos, do governo federal) merece aprimoramentos, mas ninguém lhe nega o mérito de contribuir para tornar socialmente menos injusto o acesso ao ensino superior.De 2004 a 2006, aumentou de 10% para 15% a parcela de universitários com renda familiar mensal de até três salários mínimos. A concessão de 250 mil bolsas do programa em 2005 (ano de sua efetivação) e 2006, tendo como contrapartida isenções para as faculdades particulares, decerto participou desse avanço auspicioso.

Só em 2006 entraram no sistema 360 mil alunos dessa faixa de renda a mais do que em 2004. Como menos de 140 mil deles receberam o estipêndio do Prouni naquele ano, fica evidente que há outros fatores em ação, como a queda do valor das mensalidades em escolas privadas, o que facilita o acesso a quem não consegue passar na seleção do Prouni.

Apesar do progresso, parece pouco provável que se cumpra a meta de ter 30% dos jovens de 18 a 24 anos cursando o ensino universitário até 2011. De 2004 a 2006, essa taxa líquida de escolarização superior subiu de 10,5% para apenas 12,6%.

No biênio em tela, por outro lado, a população universitária continuou em crescimento encorpado, agregando 1 milhão de estudantes. O sistema universitário se expande por incorporação sobretudo de pessoas acima da faixa etária habitual, que representam hoje 44% do estudantado. Em geral, trabalhadores que já estão no mercado, em busca de valorização profissional.

Não cabe dúvida de que o ensino superior precisa ampliar-se, mas as peculiaridades de tal expansão nos últimos anos assume algumas feições preocupantes. A principal delas diz respeito ao ensino médio, cujo crescimento não tem acompanhado tal ritmo e ainda vai muito mal em qualidade, e também à educação profissional de nível secundário, talvez o ponto mais frágil do sistema educacional brasileiro.

Em 2004 havia 4,5 milhões de universitários e apenas 676 mil alunos de ensino profissional. Dois anos depois, eram 5,5 milhões contra 744 mil. Ou seja, um setor expandiu-se à taxa de 23% e o outro, à de 10%.

Cabe questionar se muitos dos que rumaram para a sonhada vaga na universidade não seriam mais bem atendidos em cursos técnicos, a um custo mais vantajoso tanto para o aluno -que faria um investimento menor de tempo e dinheiro- como para o contribuinte, que é quem custeia as isenções para faculdades que sustentam o Prouni.

O país precisa de sua qualificação, mas necessita também de profissionais de nível técnico -maior gargalo do mercado de trabalho- para fazer frente aos imperativos do desenvolvimento e da competitividade no mercado mundial. Menos de 2% das despesas públicas com educação, contudo, se destinam ao ensino profissional.

Sociedade e governos, em todos os níveis de administração, precisam dar mais atenção a essa modalidade crucial de ensino.

Bird apóia projeto no Alto Solimões

Agência Brasil (Manaus)

O governo do Amazonas e o Banco Mundial ( Bird) firmaram um acordo de financiamento para garantir a realização do projeto de desenvolvimento da região do Alto Solimões. Os recursos totalizam US$ 35 milhões e serão aplicados nos próximos quatro anos em obras de saneamento, desenvolvimento sustentável e saúde nos nove municípios da região. Juntas, essas cidades ocupam 213 mil quilômetros quadrados, com uma população próxima de 230 mil habitantes, que vivem nas áreas urbana e rural e em quase 150 aldeias indígenas.

O acordo, firmado na última terça-feira em Tabatinga, é resultado de quatro anos de negociações, consultas e estudos de órgãos dos governos federal e do Amazonas, da sociedade civil e do Bird. A idéia de investir no Alto Solimões surgiu em 2002, quando uma pesquisa do governo amazonense identificou a área como a região com os mais elevados índices de pobreza e de vulnerabilidade a doenças, além de concentrar o pior Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do Amazonas.

Apesar desses fatores, a região é rica em recursos naturais, abriga grandes áreas de floresta preservada e vasta diversidade de peixes. O Alto Solimões é considerado estratégico pelo governo federal por estar localizado na tríplice fronteira entre o Brasil, a Colômbia e o Peru.

Contrabando de peixes

Segundo o secretário de Produção Rural do Amazonas, Eron Bezerra, o desenvolvimento da região permitirá, por exemplo, o fim do comércio ilegal de peixes com a Colômbia. O secretário antecipa que uma das medidas para desenvolver a região será a implantação de um sistema pesqueiro que organize a atividade no local. De acordo com ele, porém, não é possível saber a quantidade exata de peixe contrabandeado.

"É difícil precisar isso. Ainda assim, pelo que estamos observando, das 130 toneladas de peixe pescadas por mês, cerca de 100 (toneladas) são contrabandeadas." Um engenheiro da Secretaria de Produção Rural (Sepror) já está em Tabatinga para identificar os problemas relacionados à atividade pesqueira e para treinar os profissionais que irão atuar na região. Na região o contrabando de peixes para a Colômbia é aberto.

Quinta-feira, 14 de agosto de 2008, Gazeta Mercantil/Caderno A - Pág. 6

Maior oferta de emprego formal turbina renda

A queda na desigualdade é espetacular, com uma intensidade comparável
à do crescimento da concentração da renda na década de 1960. O Brasil descobriu
nesse movimento uma espécie de poço de petróleo que, bem explorado, está
ajudando a tirar milhões da miséria.
Marcelo Neri (pesquisador da FGV)
A principal razão levantada por Marcelo Neri, da FGV, para explicar o crescimento da classe média é a oferta de empregos no setor formal, que vem batendo recordes neste ano.

Ele destaca como positivo o fato de os indicadores de geração de emprego, aumento da renda e queda da desigualdade terem continuado com tendências positivas nos últimos dois anos, período em que o mundo atravessa crises como a inflação alimentar e o desaquecimento da economia americana.

"É surpreendente que esse movimento da economia brasileira continue mesmo num contexto internacional desfavorável. Antes, o mundo ia bem e no Brasil só se falava em crise. Parece que está ocorrendo o contrário.

"Para Sérgio Vale, economista-chefe da MB Associados, a geração de empregos continuará crescendo. "Entre todas as variáveis econômicas, a geração de emprego é a última a responder ao crescimento. Primeiro a empresa aumenta sua produção usando a capacidade instalada e depois pensa em aumentar o emprego. Esse ciclo positivo tende a dar uma leve desacelerada somente em 2010", diz Vale.

Para Neri, o crescimento da classe média é visível também por outros indicadores. "A venda de carros cresce bastante, e é por isso que o trânsito cada vez mais congestionado de São Paulo é reflexo do aumento da classe média. O consumo de celulares e computadores também é outro indicador de que essa população aumenta."

São Paulo, 6 de agosto de 2008. Folha de S. Paulo

Proporção de pobres cai para 25,2% da população em 2007, diz estudo do Ipea

O presidente do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), Marcio Pochmann, divulgou ontem uma compilação de números que indica a continuidade da queda da pobreza no ano passado, seguindo a tendência iniciada em 2004 com a recuperação da economia do país.

Pela metodologia adotada, os pobres passaram de 27,1% da população das seis principais regiões metropolitanas em 2006 para 25,2% no ano passado eram 35% em 2003.

Já os considerados ricos pelo trabalho do Ipea cresceram em número, mas se mantiveram na proporção de 1% do total das famílias.

Foram utilizados resultados da pesquisa de emprego realizada mensalmente pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). A base de dados tradicionalmente utilizada para as medições de renda e desigualdade, a Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, também do IBGE), que compreende todo o país, ainda não tem informações disponíveis sobre o ano passado. Os dados da Pnad mostram uma taxa diferente de pobreza, de 23,5%, em 2006.

O Ipea considerou pobres os que vivem em famílias com renda até R$ 207,50 (meio salário mínimo, em valores atuais) por pessoa e ricos os que pertence a famílias de renda total superior a R$ 16,6 mil (40 salários mínimos, em valores atuais). Os valores foram adotados para todas as regiões, apesar da diferença de custo de vida entre elas.

Antecipar estudos

Trata-se de um tipo de publicação introduzida por Pochmann no ano passado, quando assumiu o comando do Ipea -o "Comunicado da Presidência", cujo objetivo, segundo o economista, é "antecipar estudos que estão sendo feitos na casa". O comunicado divulgado, o sétimo da série, tem apenas 12 páginas e uma breve nota sobre a metodologia utilizada.

Para o economista, ligado à ala dita desenvolvimentista do PT, o trabalho está em sintonia com os novos objetivos fixados para o órgão, vinculado desde o ano passado à Presidência da República. O Ipea quer priorizar estudos voltados para o longo prazo e a avaliação de políticas públicas.

No texto de ontem, o instituto também afirma que "os detentores dos meios de produção podem estar se apoderando de parcela crescente da renda nacional".

A hipótese se ampara em uma outra pesquisa do IBGE, sobre a produtividade na indústria que estaria crescendo acima da renda dos trabalhadores do setor. O estudo não informa, porém, a proporção dos trabalhadores industriais no total. "Eu não saberia dizer com certeza, mas deve ser cerca de um terço", disse Pochmann, questionado sobre o número. Ele ponderou, porém, que os trabalhadores do setor são os mais organizados.

6 de agosto de 2008, Folha de S. Paulo - SP

FGV vê mais solidez na ascensão social

Antônio Goisna
De cada cem trabalhadores das seis maiores regiões metropolitanas que estavam em situação de miséria em janeiro deste ano, 32 aumentaram sua renda e mudaram de classe social após quatro meses. Essa maior mobilidade ajudou a reduzir a desigualdade e encorpou a classe média.

É o que mostra estudo divulgado ontem pelo economista Marcelo Neri, do Centro de Políticas Sociais da FGV. A pesquisa identifica que esses movimentos de aumento da classe média e de redução da desigualdade, que começaram a ser detectados nesta década, continuam fortes neste ano.

Como resultado, a proporção de miseráveis nas maiores regiões metropolitanas caiu de 35% para 25% de abril de 2002 a abril de 2008. No período, a classe média, que era 44% da população, chegou a 52%.

Resultados semelhantes foram encontrados em outro levantamento divulgado pelo Ipea (leia texto nesta página).

O estudo da FGV definiu como classe média a população cuja renda domiciliar total se situava entre R$ 1.064 e R$ 4.591. Foi incluído na classe E, abaixo da linha de miséria, a população cuja renda domiciliar fosse inferior a R$ 768.

Neri explica que sempre houve grande mobilidade social no Brasil, principalmente no caso de pobres que conseguiam subir para a classe média, mas logo voltavam para a pobreza. Desta vez, ele diz que os dados são mais animadores: "Esse movimento não parece mais um vôo de galinha, como tantos que tivemos no Brasil".

Analisando a mobilidade entre classes sociais nas regiões metropolitanas, o estudo de Neri mostra que, em 2003, 79% dos trabalhadores conseguiram permanecer na classe média num período de quatro meses. Em 2008, esse percentual aumentou para 85%.

No caso da classe E, o percentual dos que conseguiram ascender passou de 27% para 32%, sendo que 16% foram para a classe D, 15% para a classe média (C) e 1% chegou à elite (classe A ou B).

A maior mobilidade, no entanto, acontece na classe D, aquela situada entre os miseráveis (E) e a classe média (C).

Em 2003, o movimento desses trabalhadores era ligeiramente mais descendente (24% caíram para a classe E) do que ascendente (23% foram para a classe C). Em 2008, o percentual dos que subiram foi de 30%, exatamente o dobro dos que caíram: 15%.

Para o economista, esses dados são positivos e se refletem na melhoria da distribuição de renda. "A queda na desigualdade que estamos presenciando agora é espetacular, com uma intensidade comparável à do crescimento da concentração da renda na década de 1960. O Brasil descobriu nesse movimento uma espécie de poço de petróleo que, bem explorado, está ajudando a tirar milhões de famílias da miséria.

"Para Sérgio Vale, economista-chefe da MB Associados, mesmo com o cenário externo menos favorável, a tendência é que a classe C continue crescendo no país graças à geração de empregos.

"A tendência de oferta de crédito ainda é favorável, e o setor de construção segue investindo pesado. Isso dá mais garantias para a classe média se expandir. O cenário externo ainda não deve atrapalhar, nem ajudar", diz Vale.

Quarta-feira, 6 de Agosto de 2008, Folha de S. Paulo.

Internet não é mais coisa de burguês

Indio Brasileiro*
Até pouco tempo a presença da classe C na internet estava restrita principalmente a iniciativas de ONGs e projetos isolados de inclusão digital de administrações públicas voltados para escolas. Mas a medida provisória (MP do Bem), a queda do dólar e a possibilidade de comprar em várias parcelas, entre outros fatores, vêm transformando o sonho de consumo do computador em realidade.

Foram necessários mais de dez anos para que a web chegasse nas camadas mais populares e deixasse de ser privilégio das elites. Agora, a classe C é a que cresce mais rapidamente na internet e é justamente a que oferece maior potencial de crescimento se considerarmos que as classes com maior poder aquisitivo já estão massivamente conectadas. A entrada deste novo universo de internautas de baixa renda na rede impõe um novo desafio às marcas e aos varejistas, como conquistar e se relacionar com esta massa emergente de consumidores on-line que, assim como no mundo real, são disputados vorazmente. Seria replicável no comércio eletrônico a fórmula da Casas Bahia de oferecer crediário e facilidades de pagamento para clientes que somente podem comprar em infinitas parcelas. Tudo indica que sim. Afinal, seja na internet, na 25 de março ou no shopping popular, o consumidor é o mesmo. Seu salário continua sendo dividido dentro do orçamento doméstico da mesma maneira e seu poder de compra também não mudou. O portal Terra divulgou recentemente uma pesquisa indicando que quase 50% dos jovens da classe C de três capitais (São Paulo, Recife e Porto Alegre) já têm acesso à internet em casa, sendo que 77,2% deles navegam em banda larga. Mas, ao mesmo tempo, o estudo mostrou também um medo maior desta camada social de usar o cartão de crédito para fazer compras on-line porque o limite do plástico é mais baixo para estes consumidores e eles têm medo de não conseguir provar para as administradoras de que foram vítimas de fraudes. O que não quer dizer que a web já não tenha se transformado no ponto de partida para decisão de compra entre estes marujos de primeira viagem cibernética, já que 49,2% pesquisam na rede antes de sair às compras.

Algumas financeiras e lojas virtuais já acordaram para o fenômeno e estão começando a oferecer crédito para fazer compras na rede em parcelas a perder de vista. É uma estratégia, no mínimo, inteligente. Afinal, se esses consumidores já estão passando em frente das vitrines virtuais, nada mais lógico do que usar dos mesmos recursos do varejo popular para trazê-los para dentro da loja e, é claro, vender. A própria Casas Bahia vem contribuindo para o crescimento do parque de computadores entre seus clientes, oferecendo a possibilidade de comprá-lo em até 12 vezes. E se estes mesmos clientes estão agora se conectando e surgindo como uma nova massa de potenciais consumidores, seria uma imprudência imperdoável deixar de seduzi-los nas prateleiras digitais com as mesmas condições de fechar um bom negócio. Mas preço, produto, promoção e ponto-de- venda são os únicos fatores a serem considerados para atrair estes novos clientes que acabam de ingressar no comércio eletrônico? Bem, considerando que estes novos adeptos ainda estão apenas começando a dar seus primeiros passos no universo de bits e bites, buscar simplesmente reproduzir as mesmas premissas que regem o varejo off-line não será, com certeza, suficiente. É o velho ditado: "não basta dar vara e isca; é preciso ensinar a pescar".

Quem quiser abocanhar uma fatia destes desejados clientes, que, vale lembrar, têm índices menores de inadimplência, precisará também transpor para o varejo on-line uma estratégia de marketing e comunicação que conquiste seus corações e bolsos. Assim como os mais ricos levaram um tempo depois que começaram a navegar para fazer compras pela rede, os menos favorecidos, e que por isso são também mais desconfiados, terão que ser convencidos de que comprar sua próxima geladeira pela internet está longe de ser um bicho-de-sete -cabeças. Por isso marqueteiros, é bom lembrar que a internet já não é mais somente a terra dos burgueses digitais.

*Indio Brasileiro, sócio-diretor da FirstCom Comunicação e da I-Group, São Paulo

14 de Agosto de 2008, Gazeta Mercantil/Caderno A - Pág. 2

segunda-feira, 18 de agosto de 2008

A nova geografia econômica do Brasil

Paulo Roberto Haddad*

O Brasil vivenciou duas experiências grandiosas de reestruturação da distribuição espacial das atividades econômicas. No ciclo de expansão econômica dos anos JK, as atividades econômicas se concentraram, basicamente, no eixo Rio-São Paulo: de cada cem novos empregos industriais gerados pelo Plano de Metas, 72 se localizaram nesses dois Estados. No longo ciclo de expansão de 1968 a 1980, durante o regime militar, houve uma notável reversão da polarização e as regiões e os Estados menos desenvolvidos passaram a crescer mais rapidamente do que São Paulo e Rio de Janeiro.

Embora não se possa caracterizar o crescimento recente da economia brasileira como um novo ciclo de expansão, há indicativos de que o processo de globalização esteja estimulando a demanda de diferentes produtos intensivos de recursos naturais (minérios, metais, alimentos, papel e celulose, etc.) em muitas regiões menos desenvolvidas. Assim, quase todas as áreas do País em que se acelera o crescimento econômico (sudeste do Pará, Quadrilátero Ferrífero de Minas, centro-norte de Mato Grosso, oeste da Bahia, sul do Maranhão, etc.) se localizam na periferia tradicional e na periferia dinâmica do País.

Em geral, quando se pretende definir quais são as potencialidades de crescimento econômico de uma região a partir da sua dotação de recursos naturais, é preciso estar ciente de que o conceito de potencialidade de recursos é econômico, e não físico. Ou seja, o valor de um recurso natural não é intrínseco ao material, mas depende da estrutura da demanda, dos custos relativos de produção, dos custos de transporte, das inovações tecnológicas que sejam comercialmente adotadas, etc.

A questão dos custos relativos é crítica: uma oportunidade favorável em alguma localidade ou região pode não ser explorada devidamente por causa da existência de melhor oportunidade em outra localidade ou região. Portanto, a incorporação das noções de custo de oportunidade e de concorrência é importante para melhor compreensão do conceito de competitividade inter-regional.

Da mesma forma que a abundância de recursos naturais pode não desencadear um processo de crescimento de uma região ou localidade e ampliar sua capacidade de exportar em escala global, a abundante oferta de mão-de-obra não qualificada ou semiqualificada pode também ser insuficiente para promover esse processo.

Muitas vezes se pensa que salários nominais relativamente menores, em regiões ou localidades menos desenvolvidas de um país, possam ser necessários e suficientes para atrair investimentos intensivos de mão-de-obra, estabelecendo-se uma confusão entre preço da mão-de-obra (pagamento realizado) e custo da mão-de-obra (pagamento realizado dividido pela produção efetivada).

Os empresários preferem localizar seus empreendimentos em países e regiões onde a rentabilidade dos investimentos seja maior. Quanto menor o salário-eficiência (índice de crescimento dos salários nominais dividido pelo índice de crescimento da produtividade), maior a capacidade competitiva da região e maior também o crescimento da produção regional. Como o crescimento dos níveis de salários nominais (entre trabalhadores desempenhando a mesma função) tenderia a ser praticamente igual em todas as regiões, tendo em vista a grande mobilidade destes entre as regiões abertas de uma economia nacional, os salários de eficiência tenderão a cair nas regiões (e nas indústrias particulares das regiões) onde a produtividade cresce mais rapidamente do que a média nacional.

Tudo indica, pois, que, ao terminar a primeira década do século 21, o processo de reversão da polarização observado nos anos 70 terá continuidade, reduzindo-se os níveis de desigualdades entre as regiões brasileiras. Teremos uma nova geografia econômica do Brasil, com um interior mais desenvolvido, novos pólos de crescimento e maior equilíbrio federativo.

Do ponto de vista dos interesses econômicos e sociais das populações residentes nas áreas que se estão beneficiando dos novos projetos de investimento, é fundamental que transformem, a longo prazo, as experiências de crescimento econômico acelerado em processos de desenvolvimento sustentável.

No pós-2ª Guerra Mundial, o Brasil assistiu a várias situações históricas nas quais as regiões receberam um choque de crescimento induzido pela formação de novas bases econômicas, e muitas delas se encontram, atualmente, economicamente deprimidas. Exemplos são inúmeros, tais como o uso predatório da biodiversidade da mata atlântica em áreas do leste brasileiro, a exaustão da fertilidade do solo em áreas do anel de desmatamento da floresta amazônica, zonas de mineração extrativista em bacias hidrográficas da Região Norte, etc.

A tendência é de se seguir o denominado ciclo boom-and-bust econômico: nos primeiros anos, ocorre um rápido crescimento (boom) na renda e no emprego, seguido de um severo declínio (bust), resultado da própria exaustão relativa dos recursos naturais.

Somente o progresso científico e tecnológico, por meio das inovações de novos produtos, de novos processos e de novas técnicas de gestão, poderá permitir que venha a ocorrer um crescimento econômico com eqüidade social e sustentabilidade ambiental, pelo adensamento das cadeias de valor, pela capacidade de diferenciação de produtos de difícil replicabilidade, pela redução do salário-eficiência, pela melhoria da produtividade dos recursos naturais e pela maior qualificação do capital humano e das instituições regionais.


*Paulo Roberto Haddad, professor do Ibmec-MG, foi ministro do Planejamento e da Fazenda no governo Itamar Franco Excepcionalmente, Marco Antonio Rocha não escreve seu artigo hoje.


O Estado de S. Paulo, Econômia e Negócio, segunda-feira, 18 de agosto de 2008.

quinta-feira, 14 de agosto de 2008

Transposição do conhecimento: a verdadeira geração de riquezas para o semi-árido


Escrito em 2005, para subsidiar as discussões do estudo “Iniciativas Estratégicas para Apoiar Inovações no Nordeste (Inova NE)”, organizado pelo Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT) e pelo Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE), o artigo Transposição do Conhecimento: a verdadeira geração de riquezas para o Semi-Árido foi escrito por mim em um dos auges das discussões sobre a transposição do Rio São Francisco.
O meu intuito em disponibilizar este artigo como porta de entrada do blog Lynaldo Cavalcanti é me conceder um espaço pessoal, mas compartilhado com todo o Brasil, para colocar em discussão na rede mundial de comunicação, que é a internet, idéias e propostas que tenho defendido e empreendido ao longo de 44 anos que atuo como gestor de ciência e tecnologia e educação dos meus 52 anos de vida profissional.Conto com a colaboração de todos, que defendem a transposição do conhecimento para o Polígono das Secas e para todas as regiões e microrregiões menos desenvolvidas de nosso país, para a construção deste canal de comunicação, que espero possa contribuir para a reflexão daqueles que o acessarem e que também sirva como estímulo aos que acreditam no desenvolvimento regional de fato.

Um abraço a todos,

Lynaldo Cavalcanti de Albuquerque


Veja a íntegra do artigo abaixo:



Engenheiro Civil
Presidente do InTC

O Projeto de Integração da Bacia do Rio São Francisco com as Bacias Hidrográficas do Nordeste Setentrional, mais conhecido como Transposição do Rio São Francisco, é uma das prioridades do governo federal. A iniciativa prevê a captação de 1% da água que o rio joga hoje ao mar para o consumo humano e animal na região do semi-árido, beneficiando, segundo dados do Ministério da Integração Nacional, 12 milhões de pessoas.

Entretanto, especialistas e parte da população da região discordam do projeto e temem seus impactos. O governo concorda que a medida exige cuidados como a revitalização do rio, mas insiste na idéia e promete realizar o projeto orçado em R$ 4,5 bilhões.

Um dos principais argumentos do governo para a realização do projeto é a desigual distribuição das fontes de água no País. Mas essa é a questão central dos problemas sociais que afligem a população do Polígono da Secas? Na minha avaliação, não. O problema central está na desigual distribuição não só dos recursos naturais, mas, sobretudo, das fontes de conhecimento.

Como já afirmei anteriormente, até o momento, as poucas ações isoladas levadas a cabo pelo governo federal foram insuficientes e ocasionais para solucionar os problemas que são de natureza mais política do que física (ALBUQUERQUE, 1997). O esforço que defendo é o da transposição do conhecimento para o Polígono das Secas. Conhecimento que gera pesquisa e desenvolvimento de tecnologias e soluções inovadoras e gera também emprego e renda.

Para conviver com os longos períodos de estiagem e com a alta evaporação da água no semi-árido sem passar sede ou fome, a população, antes de mais nada, precisa estar preparada para essa realidade. As pessoas devem ser preparadas para, por exemplo, aplicar técnicas de utilização dos solos compatíveis com as condições ambientais do lugar onde vivem.

O semi-árido passou por um processo de esvaziamento nos últimos anos graças à migração da população para outras regiões para dar continuidade a seus estudos ou mesmo conseguir um trabalho que garanta o seu sustento. A maciça maioria das universidades ou unidades universitárias, institutos e centros de pesquisa, empresas e mesmo centros de ensino técnico se encontra fora do Polígono das Secas, o que constitui um atrativo incomparável para os jovens que nascem no semi-árido. Por outro lado, o Polígono das Secas é pouco atraente para empresas, pois os trabalhadores têm baixo índice de escolaridade e qualificação, o que implica, por exemplo, na dificuldade para operar máquinas e equipamentos com maior grau de sofisticação ou complexidade. Onde não há conhecimento, não há produção.

“Uma providência urgentíssima para fixação do homem no interior é a educação pública em todos os níveis. Especialmente o ensino superior, de capital importância na atualidade” (PIMENTA apud ALBUQUERQUE , 1997, 9). Essas palavras do então reitor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) servem de alerta para a gravidade do fato de os centros de ensino e pesquisa de alto nível do Nordeste estarem concentrados fora do Polígono da Seca.

Exemplo da baixíssima densidade de instituições de ensino no semi-árido foi a criação, a partir de 1909, no governo de Nilo Peçanha, das escolas de aprendizes artífices, que, em meados da década de 1960, passaram a ser chamadas de escolas técnicas federais, todas nas capitais brasileiras e, portanto, nenhuma no Polígono das Secas. A maior parte das escolas agrícolas também foi criada fora do Polígono. Somente na década de 1980 é que foram criadas unidades descentralizadas das escolas técnicas federais (Uneds) no semi-árido, mais especificamente em Petrolina (PE), Cajazeiras (PB) e Juazeiro (CE).

Destaco algumas exceções, entre elas, a criação, em 1954, pela Universidade Estadual da Paraíba (UEPB), da Escola Politécnica de Campina Grande. Mas vale salientar que Campina Grande está localizada em uma área de transição. Em 1930, a Inspetoria Federal de Obras Contra as Secas (IFOCS), hoje Departamento Nacional de Obras Contra a Seca (DNOCS), criou o Instituto Agronômico de Área Seca, no município de Souza (PB), depois nominado Instituto José Augusto Trindade. Mas, em 1964, o instituto foi extinto e seu acervo transferido para Campina Grande. Em 1969, foi criada a Escola Superior de Agricultura de Mossoró (Esam) pelo Instituto Nacional de Desenvolvimento Agrário (Inda) que, junto com o Instituto Brasileiro de Reforma Agrária (Ibra), veio a formar o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra).

Considerando as disparidades regionais existentes no País, as universidades nordestinas precisam se adaptar às especificidades locais. Quando assumi a reitoria da Universidade Federal da Paraíba, as diretrizes de meu plano de gestão eram a consolidação institucional, a intensificação das atividades acadêmicas, a integração da universidade à região, a consolidação física da instituição e a participação efetiva do corpo discente na vida universitária (ALBUQUERQUE, 1997). Durante meu reitorado na UFPB, no período de 1976 a 1980, criamos campi em três municípios do semi-árido: Cajazeiras, Souza e Patos. As atividades que passaram a ser desenvolvidas nessas localidades não se limitavam ao ensino, mas também incluíam a pesquisa, a prestação de serviços e a extensão tecnológica. A nossa proposta era que os benefícios conquistados pela universidade fossem aproveitados pela comunidade local.

É essencial que o Ministério da Ciência e Tecnologia e o Ministério da Educação envidem todos os esforços para levar os centros de ensino e P&D ao semi-árido. Já há sinais nesse sentido, como a criação da Fundação Universidade Federal do Vale do São Francisco, com sede em Petrolina (PE), e a transformação da Esam em Universidade Federal Rural do Semi-Árido. A Universidade Federal de Campina Grande, criada a partir do desmembramento da UFPB, e que passou a gerir os campi de Cajazeiras, Souza e Patos, está trabalhando agora na criação de novos campi em Cuité e Sumé. A criação do Instituto Nacional do Semi-Árido Celso Furtado (Insa-CF), ainda em fase de estruturação, é outra medida que deve ser ressaltada. Já em 1975, o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), por meio de seu vice-presidente, José Pelúcio Ferreira, propôs a criação do Instituto de Pesquisa da Zona Central do Semi-Árido no Nordeste Brasileiro, mas a sugestão ficou no papel. Demorou quase 20 anos para que proposta de Pelúcio tomasse forma. Hoje, a comunidade científico-tecnológica comprometida com o desenvolvimento do semi-árido acompanha com muito interesse a estruturação e o início das atividades do Insa-CF.

Venho defendendo, ao longo de minha trajetória, que a educação é um eficiente e eficaz instrumento capaz de viabilizar a melhoria da qualidade de vida dos homens, e que a função social específica da universidade é de prepará-los, para que venham compreender a realidade de sua existência e venham adquirir hábitos sociais compatíveis com sua dignidade. A universidade garante a formação de pessoas capacitadas para promover o desenvolvimento. Justamente por isso, é tão importante que se invista na sua interiorização.Infelizmente, a interiorização que vem sendo feita por meio da maioria das universidades estaduais não é feita de modo sistemático e organizado, de forma a atender os anseios das populações locais, oferecendo ensino de qualidade, pesquisa e extensão. A prática mais comum é a proliferação de colégios de terceiro grau, desprovidos do caráter universalizante inerente à idéia de universidade. A distribuição planejada de campi universitários em municípios do Polígono das Secas, integrados à sociedade local, onde se ministra o ensino e se faz pesquisa e extensão com foco no desenvolvimento humano e regional, é uma estratégia que pode interferir, de forma consistente, a favor da melhoria da qualidade de vida da sua gente. Essa proposta se completa com a presença de centros de pesquisa e desenvolvimento voltados para a realidade do semi-árido e localizados também dentro do Polígono.

A difusão do conhecimento é essencial para o reavivamento do interior brasileiro e para inverter a lógica da migração da população em direção aos grandes centros urbanos. Como já externei anteriormente, a criação e diversificação da oferta de ensino superior, no interior do Nordeste, só pode ser feita por meio do ensino público e gratuito. Essa medida é urgente, pois é a falta de conhecimento que alimenta a indústria da seca. É preciso alargar fronteiras. Mais do que grandiosas obras de infra-estrutura, o semi-árido precisa de pessoas conhecedoras de sua realidade, de pessoas preparadas para ficar e construir, no semi-árido nordestino, a história de uma vida digna. Mas, sem uma verdadeira transposição do conhecimento, essa realidade não será possível.

ALBUQUERQUE, Lynaldo Cavalcanti de. A interiorização interrompida. Brasília, 1997. 24 p.

Entrevista: Para Lynaldo, desconcentração em C&T é prioridade

Lynaldo Cavalcanti de Albuquerque, secretário-executivo da ABIPTI, afirma que o MCT não pode ser o único órgão responsável pela questão da desconcentração regional em Ciência e Tecnologia. Para ele, o governo federal deve se empenhar de forma conjunta para sanar esse problema.

O secretário-executivo destaca ainda a atuação dos fóruns de Secretários Estaduais de C&T e das Fundações de Amparo à Pesquisa junto à esfera federal. Segundo Lynaldo, a presença do Fórum de Secretários no CCT é uma conquista para os Sistemas Estaduais de C&T.

Outro ponto abordado pelo secretário-executivo foi a falta de recursos humanos qualificados em alguns Estados. Para resolver essa questão, Lynaldo Cavalcanti afirma que só há duas saídas. A primeira é investir na atração de profissionais qualificados para essas unidades federativas. A outra solução é os Estados investirem em programas de qualificação.

Lynaldo também fala da importância da Secretaria de C&T para a Inclusão Social, uma unidade do MCT. Ele afirma que é uma iniciativa inovadora que precisa ser preservada e apoiada.

Entrevista publicada no informativo Gestão C&T Impresso, de dezembro de 2003, Nº 39, Ano 4

Lynaldo afirma que desconcentração regional é um problema do governo como um todo

O secretário-executivo da ABIPTI, Lynaldo Cavalcanti de Albuquerque, afirma que a problemática da desconcentração regional em Ciência e Tecnologia é algo que deve envolver todo o governo federal e não somente o MCT. Lynaldo Cavalcanti declarou ainda que os Arranjos Produtivos Locais não tiveram a mesma força em 2003, comparado com o desempenho de 2001 e 2002.

Gestão C&T - O governo federal, em particular o MCT, tem dado especial atenção à desconcentração regional em C&T. Que avaliação o senhor faz das políticas implementadas nesse sentido?

Lynaldo Cavalcanti - Eu gostaria de destacar o discurso corajoso do ministro Roberto Amaral, que enfatizava a necessidade de implementação de ações e programas que levassem à desconcentração regional. Agora, resta saber se as agências do MCT, particularmente o CNPq, aceitaram o discurso de Amaral e, nas suas ações, durante 2003, estabeleceram programas e repassaram recursos nesse sentido.

Considero que ainda há muito por fazer. Na medida em que houve no CNPq um enfraquecimento da ação institucional e um retorno do processo de decisão feito exclusivamente por comitês assessores, que são compostos, em sua maioria, por professores das regiões Sudeste e Sul, muitas vezes ocorreram concentrações. Além disso, o próprio Pronex é um caso de programa que se tornou impraticável, tendo em vista a limitação de pessoas qualificadas em alguns Estados. Citaria, também, o Programa de Tecnologias Apropriadas que, na parte que se refere ao CNPq, praticamente não foi implementado.

Os Arranjos Produtivos Locais, que tiveram grande ênfase nos anos de 2001 e 2002, não tiveram a mesma força nesse ano.

Apesar disso, é preciso registrar a ação do Programa de Apoio à Pesquisa em Empresas (Pappe) da Finep, que, apoiado pelo ministro Amaral, envolveu praticamente todas as Fundações de Amparo à Pesquisa em uma iniciativa de suporte aos pesquisadores que atuam nas pequenas empresas.

Em relação às ações do restante do governo federal, a Sudene e a Sudam não foram recriadas. É uma pena, pois esses projetos traziam fortes componentes de Ciência e Tecnologia. É preciso uma ação do governo como um todo na questão da desconcentração, não apenas do MCT.

Gestão C&T - O senhor fez um breve comentário a respeito do Programa de Apoio à Pesquisa em Empresas (Pappe). Poderia fazer uma avaliação mais detalhada?

Lynaldo Cavalcanti - O Pappe envolve pesquisadores que atuam com ações de interesse de empresas. Em um País desigual como o nosso, certamente haverá dificuldades em algumas regiões ou em alguns Estados. Além disso, é importante a participação de outras instituições do sistema local de inovação, particularmente do Sebrae.

Também é preciso que a Finep faça um acompanhamento das iniciativas e ajude as instituições, principalmente aquelas mais incipientes, pois muitas não recebem os recursos previstos nas Constituições Estaduais.

Gestão C&T - Como o senhor avalia a criação no MCT da Secretaria de C&T para a Inclusão Social?

Lynaldo Cavalcanti - Acho que essa iniciativa tem que ser apoiada e preservada, pois se trata de uma inovação. É um setor, coordenado pelo senhor Jocelino Menezes, que atua na popularização da Ciência, nos Arranjos Produtivos Locais e nas Tecnologias Apropriadas.

Muitas secretarias tiveram que ser sacrificadas e houve até oposição de pessoas da comunidade científico-tecnológica em relação à Secretaria de Inclusão Social, mas, como eu disse, é uma Secretaria que está mostrando para que veio e tem hoje uma grande importância para a área de C&T.

Gestão C&T - Como o senhor recebeu a notícia da instalação do Instituto Nacional do Semi-Árido em Campina Grande?

Lynaldo Cavalcanti - Como paraibano de Campina Grande, evidentemente, fiquei muito satisfeito. Mas eu mesmo já tinha declarado antes que era melhor, em vez de um instituto do Semi-Árido, que se recriasse um programa de desenvolvimento científico-tecnológico para o Nordeste, como foi feito pelo CNPq, entre 1984 e 1990, com o apoio do BID, com investimentos de US$ 45 milhões, concentrado em cinco Estados – Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte, Ceará e Piauí – com enfoque multidisciplinar do Semi-Árido. Então seria melhor um programa atualizado, revisto e aperfeiçoado em vez de um instituto.

Além disso, até agora, o Instituto não teve sua base institucional estabelecida. Criou-se uma comissão para dirigi-lo, que está dando grande ênfase à biotecnologia, não sei bem porque razão.

Gestão C&T - Nos últimos anos, temos assistido à criação de Fundações de Amparo à Pesquisa e de Secretarias de C&T nos Estados e municípios. Em sua opinião, qual a importância desse processo?

Lynaldo Cavalcanti - Ressalvando-se os Estados que se anteciparam ao próprio governo federal, como São Paulo, esse é um processo que, no plano federal, começou em 1980, com uma ação do CNPq, por meio dos Sistemas Estaduais de C&T.

Essa iniciativa é praticamente interrompida e só é retomada pelo ministro Ronaldo Sardenberg, utilizando-se, como ele dizia, uma lógica regional na ação do Ministério. Essa ação é enfatizada e consolidada, inclusive com um discurso mais contundente e um repasse direto às fundações, embora ainda limitado.

De fato, desde 1999, foi muito positivo que todos os ministros de C&T cobrassem dos Estados esse compromisso. Muitas unidades federativas estavam inadimplentes e algumas tinham até regredido na área de C&T. Essa problemática demonstra uma questão cultural: os políticos não valorizam a Ciência e Tecnologia como um fator de desenvolvimento.

De alguma forma, hoje nós temos muitos Estados com uma secretaria exclusiva de C&T, mesmo que não seja só de Ciência e Tecnologia a área tem uma importância, tem um papel.

As FAPs ainda são muito desiguais, mas eu noto que cada vez mais a nomeação dos dirigentes leva em conta o mérito acadêmico e a experiência em C&T. São poucas as nomeações que são feitas como distribuição de cargos políticos.

Quanto aos municípios, há um movimento muito salutar, não é um movimento de grandes números, talvez isso até surpreenda porque grandes cidades não se preocuparam com o assunto e cidades menores estão dando grande importância para a questão, como, por exemplo, Itajubá, Campina Grande, Aracaju, Vitória etc. Esperamos que as ações do Fórum de Secretários Municipais, que têm o apoio da ABIPTI e da Finep, possam prosseguir e se consolidar.

Gestão C&T - Um problema que afeta vários Estados brasileiros menos desenvolvidos é a falta de recursos humanos qualificados que acaba levando a um menor número de projetos financiados nessas localidades. Como romper essa lógica?
Lynaldo Cavalcanti - Só existem duas soluções: atrair pessoas já qualificadas para esses Estados e fixá-las, pelo menos por algum tempo, ou ter programas de qualificação local ou em outros centros nacionais ou até no exterior.

Como reitor da Universidade Federal da Paraíba, de 1976 a 1980, eu levei para a instituição mais de 200 pesquisadores estrangeiros, qualificados nas mais diversas áreas do conhecimento. Eram profissionais da Índia, Argentina, Peru, Chile, Canadá e Alemanha. Além disso, a Universidade mandou muitas pessoas fazerem pós-graduação, principalmente por meio do Programa Institucional de Capacitação de Docentes (PICD), que existiu na Capes, de 1975 a 2000, e parece que hoje foi restabelecido com outro nome e com vagas muito limitadas.

Não há outra forma, é preciso atrair e fixar cérebros, porque sem neurônios ninguém vai fazer planejamento e gestão de C&T.

Gestão C&T - A ABIPTI é a secretaria executiva dos fóruns de Secretários Estaduais de C&T e das FAPs e apóia as ações do Fórum de Secretários Municipais de C&T. Na sua avaliação, qual tem sido a importância da atuação desses fóruns?

Lynaldo Cavalcanti - Os Fóruns, através de suas lideranças, que são eleitas, não só o presidente e o vice, mas os representantes regionais, estão presentes e atuantes junto ao governo federal. A presença do Fórum dos Secretários no CCT e em vários outros órgãos colegiados tem sido de grande importância para o fortalecimento dos Sistemas Estaduais de C&T.

Gestão C&T - O Congresso ABIPTI 2004 discutirá o tema Tecnologias para Inclusão Social: O Papel dos Sistemas de Ciência, Tecnologia e Inovação. Quais são as expectativas em relação a esse evento?

Lynaldo Cavalcanti - Esse Congresso de Minas Gerais talvez seja o nosso melhor evento, pois a participação local foi muito entusiástica. Várias instituições estão engajadas, inclusive a própria Secretaria de C&T mineira, a Fapemig e a Federação das Indústrias de Minas Gerais.

O número de trabalhos apresentados também é significativo e toda a equipe, da ABIPTI e de Minas, está bastante empenhada. Assim, acredito que o evento será de grande importância, inclusive pelo próprio tema.

Gestão C&T - A ABIPTI, em parceria com o MCT e Basa, desenvolveu o Projeto Plataformas Tecnológicas para a Amazônia Legal. Quais são os principais resultados e quais são as ações previstas?

Lynaldo Cavalcanti - A ABIPTI, a partir de 2000, foi convocada pelo MCT e pelo Basa para ser uma parceira em uma ação do Banco que ia ajudar os Estados da região Norte a organizar as Plataformas Tecnológicas.

Nós tivemos uma ação muito intensa em 2001 e 2002. Em 2003, com a mudança de governo, houve um período de transição que quase nos levou a interromper as atividades. Após uma audiência com o novo presidente do Basa, decidiu-se que vamos continuar com a realização de cursos de agronegócios, com a criação de núcleos de gestão tecnológica e, também, com as ações dos Arranjos Produtivos Locais.

Gestão C&T - Desde 1993, a ABIPTI oferece o curso para formação de Agentes de Inovação Tecnológica. Como esses recursos humanos estão sendo aproveitados nos sistemas estaduais e municipais de inovação tecnológica?

Lynaldo Cavalcanti - Esse programa surgiu da Comissão de Competitividade e Difusão Tecnológica (CCDT), inserida na Diretoria de Programas Especiais do CNPq, que foi extinta. Foi unânime a opinião do Sebrae, do Senai, do IEL, do CNPq e da Finep de que era preciso partir para um treinamento descentralizado de pessoas especializadas em gestão tecnológica.

Nós fizemos o primeiro curso em Brasília e, nos últimos dez anos, como o apoio não foi constante precisamos reduzir o número de programas. A nossa idéia era cobrir todo o território nacional, com exceção do Rio e de São Paulo, pois achávamos que esses dois Estados não precisavam, mas até agora ainda não fizemos cursos em Roraima, no Acre, no Rio Grande do Norte, em Santa Catarina e em Minas Gerais. Em compensação, realizamos dois cursos no Amazonas e no Rio Grande do Sul.

Agora, com o apoio do MCT, por meio da Secretaria de C&T para a Inclusão Social, nós esperamos retomar esse programa. Também estamos negociando com o Sebrae, junto com a Universidade Católica de Brasília (UCB), a realização de um programa de formação de Agentes de Inovação Tecnológica a distância.Boa parte das quase 600 pessoas treinadas pelo programa foi aproveitada pelo sistema Sebrae e por outros órgãos nos Estados - Secretarias, FAPs e institutos de pesquisa.

Entrevista publicada no informativo Gestão C&T Impresso, de dezembro de 2003, Nº 39, Ano 4