segunda-feira, 17 de agosto de 2009

Bom Sinal fabrica trens no sertão do Cariri

17/08/2009

Todo ano, a principal atração da Expocrato, tradicional evento agropecuário do Cariri cearense, fica por conta dos campeonatos de caprinos e ovinos. Mais de cem mil pessoas acompanham, ao som das bandas de forrós, as premiações de animais no Crato, cidade a 600 km da capital. Em 2008, porém, foi diferente. Os visitantes fizeram filas e mais filas para conhecer um trem.

Tamanha curiosidade tem explicação. Para muitos, até aquele dia, carro sobre trilhos não passava de imagem de filme ou de uma lembrança dos tempos em que o trem cruzava o semi-árido, há mais de três décadas. A surpresa cresceu ainda mais quando descobriu-se que o veículo tinha sido feito num município vizinho, Barbalha, cuja economia tem como base a agricultura e o comércio. "Dali saía trem?", as pessoas se perguntavam.

Cinco anos atrás, quem tinha essa mesma dúvida era o paulista Fernando Marins. Hoje, porém, a Bom Sinal, empresa controlada por ele, já construiu em Barbalha quatro carros para o governo cearense e venceu concorrências para entregar outras 45 unidades para os metrôs do Recife e de Fortaleza, contratos de cerca de R$ 110 milhões.

Quando chegou a Barbalha em 1999 para fabricar carteiras escolares de plástico, Marins não tinha a menor ideia de que a Bom Sinal se transformaria na única empresa a produzir no Brasil os chamados VLTs (veículos leves sobre trilhos), uma espécie de primo do metrô de menor tamanho e velocidade.

A empreitada teve início meio por acaso. Com vagões caindo aos pedaços, o governo cearense propôs à Bom Sinal reformá-los, colocando bancos e revestimentos internos de plástico. Marins topou, já que, na década de 70, sua antiga empresa Hidroplas fazia em Botucatu (SP) o interior de trens. Com a decadência do transporte ferroviário no país, o empresário decidiu produzir móveis escolares no Nordeste, região sem fornecedores.

O serviço feito nos trens caiu nas graças do ex-governador Lúcio Alcântara (PR), que lançou um novo desafio à Bom Sinal: construir trens para que dessa forma a linha férrea que cruza as cidades de Juazeiro do Norte e Crato, vizinhas de Barbalha, voltasse a funcionar. Marins aceitou a proposta. "Eu pensei o seguinte: minha família já fazia ônibus em Botucatu. Por que não tentar fazer trem?", explica, cujos ele, cujos parentes controlam a carrocerias Caio.

O primeiro passo foi contratar gente com experiência no setor, como o engenheiro gaúcho Osvaldo Quintian, que já trabalhou na Siemens, nos metrôs de países como França e Bélgica, e agora mora em Juazeiro do Norte. E treinar outros trabalhadores do próprio Cariri. Depois, a equipe buscou adaptar o projeto à realidade nordestina de orçamentos restritos. Para não ter de construir uma estrutura elétrica, o trem é movido a diesel, por exemplo.

Dois anos depois de costumizações, o VLT da Bom Sinal ficou pronto no ano passado. Pelo baixo custo de produção, atraiu a atenção de gestores públicos. "O mérito deles é ter feito um produto de qualidade e barato", diz Rômulo Fortes, presidente da Cia. Cearense de Transportes Metropolitanos. Levantamento recente realizado pela empresa, segundo ele, apontou custos mais baixos, de R$ 1 milhão por carro da Bom Sinal comparado com um importado. Isso sem contar os custos para trazer o veículo ao Brasil.

Outra característica que tem agradado os compradores é que os trens da Bom Sinal são feitos em bitola métrica (distância de um metro entre as rodas), medida que não é padrão entre fornecedores. Isso faz com que eles se encaixem na malha ferroviária já existente em diversas cidades porque esse era a distância utilizada pela extinta Rede Ferroviária Federal. É um gasto a menos para os cofres públicos, já que não é preciso implantar novas linhas.

"Muitas vezes, esses trilhos antigos passam pelo meio das cidades. Seria um crime jogar toda essa estrutura fora", afirma o empresário. Cidades como Macaé, Sobral, São Bernardo do Campo, Petrolina e Caruaru já foram conhecer o projeto do Cariri.

Hoje, a bitola métrica não é usada por multinacionais fabricantes de trens. Elas utilizam as bitolas larga (1,6 m) ou standard (1,435 m). O objetivo delas é padronizar os projetos, fazer com que a indústria possa ganhar escala e assim reduzir o preço. Fazer um projeto sob medida para a malha férrea brasileira de um metro sai caro.

"A Bom Sinal ocupou muito bem um nicho que não interessou a outros fabricantes", diz Luiz Fernando Ferrari, diretor comercial da Alstom. A multinacional francesa acabou de fechar contrato de 16 VLTs elétricos para Brasília, onde trilhos novos estão sendo construídos.

Em breve, o trem de Barbalha deixará de ser atração de exposições. O objetivo do governo cearense é pôr em funcionamento o "Metrô do Cariri", como o veículo é chamado na região, até o fim do ano. Ligará num trecho de 13 km, Crato a Juazeiro do Norte, passando pelo centro das cidades que somam mais de 400 mil habitantes e cujos limites já são quase invisíveis.

por Carolina Mandl, de Barbalha (CE) para o jornal Valor Econômico de 14 de agosto de 2009

quinta-feira, 6 de agosto de 2009

Feijão da Embrapa tem produtividade alta na África

06/08/2009

Feijão da Embrapa estimula projeto brasileiro na África.

O sucesso comercial de uma variedade de feijão da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) em Angola deve consolidar a atuação da estatal na África e impulsionar o projeto brasileiro de transferência de tecnologia para o continente.

A boa adaptação do material genético ao solo e ao clima africano permitirá à Embrapa produzir, em parceria com a estatal angolana de terras (Gesterra), sementes de feijão, arroz, milho, soja e hortaliças para atender à forte demanda de outros países da região por alimentos básicos. Principal referência mundial em agricultura tropical, a Embrapa também prepara a reformulação da estatal de pesquisa agropecuária local, a Inia, e a criação de 14 centros de investigação em Angola.

O avanço da unidade africana reforça a estratégia política do governo brasileiro de aproximação com o continente e o plano comercial de promover máquinas, equipamentos e insumos de indústrias nacionais na região. "É um modelo de sucesso de transferência de tecnologia em parceria com governo e setor privado", comemora o coordenador da Embrapa África, Paulo Galerani. "Teremos sementes adaptadas e aliadas a conceitos conservacionistas, como plantio direto e rotação de culturas".

A produtividade média de 26 sacas por hectare obtida pela cultivar de feijão "Pérola" na região de Malanje surpreendeu os pesquisadores. No Brasil, onde figura como variedade mais cultivada há uma década, esse tipo "carioca" de feijão rende entre 35 e 40 sacas por hectare em áreas irrigadas. "Conseguimos produzir mesmo com pouca água", relata o pesquisador José Geraldo Di Stefano, responsável pela transferência de tecnologia. Em vez dos 350 milímetros de chuva, o feijão floresceu com apenas 165 mm.

A "aventura" da Embrapa em Angola, país que importa 90% dos alimentos consumidos, começou há três anos em parceria com a Odebrecht e a Gesterra. A fazenda Pungo Andongo, situada a 320 km ao norte da capital Luanda, cultivou nesta safra 4,5 mil hectares de milho. O feijão da Embrapa entrou no sistema de rotação em apenas 125 hectares da área. E teve uma performance acima da esperada. "Quando dá certo, a confiança entre os parceiros aumenta", diz Di Stefano.

A Gesterra investiu US$ 30 milhões na preparação da fazenda e nas instalações industriais para processar milho. A Odebrecht faz a gestão agrícola e a Embrapa garante a tecnologia. A meta é abrir 28 mil dos 33 mil hectares da fazenda. "Foi muito produtivo, mas ainda dá para evoluir mais", diz o agrônomo Evandro Fortes, gerente da fazenda da Odebrecht. A empresa, que tem investimentos em hidrelétricas, rodovias, saneamento, açúcar e imobiliária em Angola, está instalando uma fábrica de ração animal e planeja uma beneficiadora de feijão.

Mesmo com o sucesso agronômico, há adversidades pelo caminho. "A logística ainda é complicada e a formação profissional, deficiente. Mas estamos contribuindo para desenvolver o país", ressalva Di Stefano. Em visitas semestrais a Angola, ele pesquisa a adaptação de cenoura, couve, repolho, soja, feijão caupi, arroz e milho de proteína melhorada na fazenda. "Buscamos plantas de duplo propósito, com ciclo precoce, qualidade alimentar melhorada, além de tolerância a doenças e estresse hídrico", explica.

A fazenda gerida pela Odebrecht está na terceira safra. Na primeira, apenas experimental, foram cultivados 500 hectares. Na segunda, sem o feijão da Embrapa, foram 3 mil hectares de milho. Desta vez, foram plantados 125 hectares de arroz e outra área semelhante de feijão. "A "expertise" da Embrapa foi fundamental até aqui", diz Fortes.

Os angolanos aprovaram a atuação da Embrapa. "Queremos capacitar nossos pesquisadores e adaptar todas as variedades ao nosso clima e solo", diz o diretor da Gesterra, o químico industrial Mauro de Carvalho. A fazenda da estatal produziu 22 mil toneladas de milho hoje, o que significa apenas 15% do potencial. "Além disso, é um embrião, um modelo, que vamos replicar para outras várias áreas do país", afirma.

por Mauro Zanatta
Publicado no Valor Econômico em 6/8/2009