terça-feira, 23 de setembro de 2008

Royalties do petróleo não melhoram educação no Rio

Antônio Goisda - Sucursal do Rio

Se o país realmente quiser utilizar recursos da exploração de petróleo na camada pré-sal para investir em educação, como tem defendido o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, seria prudente, antes, analisar com lupa os resultados das cidades que mais recebem royalties de petróleo em todo o Brasil.Um estudo da Universidade Candido Mendes mostra que no Rio de Janeiro -Estado que mais recebe royalties no país- os indicadores de qualidade e de infra-estrutura nas escolas dos nove municípios mais agraciados com recursos do petróleo em nada se destacam em relação a escolas do Sudeste.A pesquisa, de Gustavo Givisiez e Elzira Oliveira, será apresentada no 16º Encontro Nacional de Estudos Populacionais, que começa no final do mês. O estudo aponta que, na média, os royalties não fizeram diferença até 2006, quando se analisa o conjunto de escolas de Quissamã, Rio das Ostras, Carapebus, Macaé, Casimiro de Abreu, Búzios, Campos dos Goytacazes, São João da Barra e Cabo Frio -cidades do Rio.No trabalho, Givisiez e Oliveira compararam dados de infra-estrutura (computadores e bibliotecas, por exemplo), professores com nível superior e desempenho das escolas no Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica).Foi verificado que, mesmo com recursos significativos de royalties nos últimos dez anos, as escolas dessas cidades não se destacaram em relação às demais ao se comparar a evolução de índices entre 2000 e 2006.O estudo não destaca a situação de cada município separadamente, mas uma análise da Folha só nos resultados do Ideb, de 2005 a 2007, mostra avanços em determinadas cidades, entre as 20 que mais receberam royalties no país em 2007. Outras, no entanto, estagnaram ou pioraram.O Ideb é um indicador do MEC que avalia a educação pelas taxas de aprovação e pelo desempenho dos alunos em português e matemática.Rio das Ostras (170 km do Rio), por exemplo, avançou de 2005 a 2007 em ritmo superior à média das cidades do Estado.A rede de educação municipal de Rio das Ostras ficou entre as que mais evoluíram e foi a terceira melhor do Estado nos anos iniciais do ensino fundamental (da primeira à quarta série). Nas séries finais (da quinta à oitava), a rede de ensino ficou na quarta posição.Já Cabo Frio ainda não traduziu em melhoria da qualidade os recursos dos royalties de petróleo. Em 2007, foi a terceira cidade do país em royalties.Nas séries iniciais do ensino fundamental, o avanço foi de 0,1 ponto no Ideb (em Rio das Ostras, foi de 0,9), o que põe Cabo Frio no 55º lugar entre as 91 cidades comparadas no Estado. Nas séries finais, o desempenho piorou 0,2 ponto no Ideb. Com isso, Cabo Frio ficou em 35ª lugar entre 83 cidades com resultados nessas séries.

Folha de S. Paulo, 15 de setembro de 2008

terça-feira, 9 de setembro de 2008

Brasil interditado


Antônio Márcio Buainain*


Tensões entre desenvolvimento e meio ambiente são permanentes e inevitáveis e se vêm traduzindo num marco institucional cada vez mais rigoroso que busca preservar a Natureza, mas que muitas vezes tem ignorado a realidade que pretende proteger.

O Brasil é sempre citado pela abundância de recursos naturais e pela grande disponibilidade de terras para ampliar a produção de alimentos e energia, realizar uma reforma agrária sem os conflitos do modelo atual baseado na desapropriação, criar novas cidades nas fronteiras e construir obras de infra-estrutura necessárias para o desenvolvimento. Certo? Não! Estudo da Embrapa Monitoramento por Satélite, sobre o alcance da legislação territorial, assinado por Evaristo Miranda, chefe geral da unidade,revela um país interditado e que vive em grande medida na ilegalidade. "A rigor, em termos legais, apenas 7%do bioma da Amazônia e33% do País seriam passíveis de ocupação econômica urbana,industrial e agrícola." O fato é que nos esquecemos de levar em conta que, "um número significativo de áreas foi destinado à proteção ambiental e ao uso territorial exclusivo de populações minoritárias".

O estudo subestima a disponibilidade de terras,pois contabiliza apenas as terras indígenas, as áreas de conservação federal e estaduais e parte das áreas de preservação permanente, deixando de fora as áreas de conservação municipais, as reservas particulares de patrimônio natural,as áreas de proteção ambiental de Estados e municípios e as reservas especiais. O estudo também não contabiliza as terras já ocupadas por cidades e as obras de infra-estrutura.

A análise da disponibilidade de terras por Estado mostra uma situação ainda mais restritiva.Na Região Norte a disponibilidade de terras não passa de 11%. A rigor, aí "deveriam estar capitais, cidades e vilarejos, áreas de agricultura, indústrias, todas as obras de infra-estrutura, incluindo as do PAC,e boa parte de seus quase 25 milhões de habitantes". Nos Estados do Centro-Oeste, onde hoje se concentra a fronteira mais dinâmica de expansão do agronegócio, o único que dispõe de terras para ocupar é Goiás.Segundo a estimativa da Embrapa, Mato Grosso do Sul dispõe de 200 mil km² para ocupação, em torno de 57% da área do Estado. Parece alto, mas os dados preliminares do Censo Agropecuário revelamqueem2007asáreasde lavoura e pecuária já superavam 210 mil km². Aparentemente os Estados da Região Nordeste, com disponibilidade de terras acima de 70%, estão em situação melhor. Outro engano, já que, embora a legislação ambiental territorial não imponha restrições para a ocupação do semi-árido, aí se encontra a maior parte da área de 1.338.076 km² que o Plano de Ação Nacional de Combate à Desertificação e Mitigação dos Efeitos da Seca (PAN) considera seriamente ameaçada de desertificação. O bioma da Amazônia atrai mais atenção da mídia internacional, mas a situação do semi-árido é mais grave, até porque a densidade populacional e a pobreza elevada exercem forte pressão sobre o frágil ecossistema da caatinga. Esses números indicam a necessidade de rever tanto a legislação como o modelo de expansão horizontal da fronteira.

A tradição no Brasil é de ignorar as leis que afrontam a realidade e ou as que são inconvenientes para os interesses de grupos particulares. Dizia se que a lei "não pegou" e nada acontecia. Felizmente essa situação de impunidade vem mudando nos últimos 20 anos e, aos poucos, entre acertos e erros, a democracia, com o regime da lei,vai se impondo.

Hoje, o desrespeito às leis - sejam elas válidas ou não - pode ter custos privados e sociais elevados. As instituições públicas, tão ineficientes para prestar serviços a que os cidadãos têm direitos e pelos quais pagam caro, têm sido cada vez mais eficazes quando se trata de arrecadar recursos e de punir por alguns" crimes", entre eles o ambiental.

As multas, que em geral precisam ser pagas para serem questionadas, continuam indexadas e crescem enquanto se discute sua validade. A morosidade da Justiça retira do cidadão o único instrumento que ele tem para se proteger do próprio Estado. Isso significa que já não é possível aprovar leis e assinar normas, portarias, etc., sem antes avaliar suas reais conseqüências para os cidadãos e para a sociedade em geral. Uma legislação ruim contribui pouco ou nada para alcançar os objetivos a que se propõe, mas pode pôr milhões de cidadãos na ilegalidade e interditar o processo de desenvolvimento.


*Antônio Márcio Buainain é professor do Instituto de Economia da Unicamp. Email: buainain@eco.unicamp.br