quinta-feira, 14 de agosto de 2008

Transposição do conhecimento: a verdadeira geração de riquezas para o semi-árido


Escrito em 2005, para subsidiar as discussões do estudo “Iniciativas Estratégicas para Apoiar Inovações no Nordeste (Inova NE)”, organizado pelo Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT) e pelo Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE), o artigo Transposição do Conhecimento: a verdadeira geração de riquezas para o Semi-Árido foi escrito por mim em um dos auges das discussões sobre a transposição do Rio São Francisco.
O meu intuito em disponibilizar este artigo como porta de entrada do blog Lynaldo Cavalcanti é me conceder um espaço pessoal, mas compartilhado com todo o Brasil, para colocar em discussão na rede mundial de comunicação, que é a internet, idéias e propostas que tenho defendido e empreendido ao longo de 44 anos que atuo como gestor de ciência e tecnologia e educação dos meus 52 anos de vida profissional.Conto com a colaboração de todos, que defendem a transposição do conhecimento para o Polígono das Secas e para todas as regiões e microrregiões menos desenvolvidas de nosso país, para a construção deste canal de comunicação, que espero possa contribuir para a reflexão daqueles que o acessarem e que também sirva como estímulo aos que acreditam no desenvolvimento regional de fato.

Um abraço a todos,

Lynaldo Cavalcanti de Albuquerque


Veja a íntegra do artigo abaixo:



Engenheiro Civil
Presidente do InTC

O Projeto de Integração da Bacia do Rio São Francisco com as Bacias Hidrográficas do Nordeste Setentrional, mais conhecido como Transposição do Rio São Francisco, é uma das prioridades do governo federal. A iniciativa prevê a captação de 1% da água que o rio joga hoje ao mar para o consumo humano e animal na região do semi-árido, beneficiando, segundo dados do Ministério da Integração Nacional, 12 milhões de pessoas.

Entretanto, especialistas e parte da população da região discordam do projeto e temem seus impactos. O governo concorda que a medida exige cuidados como a revitalização do rio, mas insiste na idéia e promete realizar o projeto orçado em R$ 4,5 bilhões.

Um dos principais argumentos do governo para a realização do projeto é a desigual distribuição das fontes de água no País. Mas essa é a questão central dos problemas sociais que afligem a população do Polígono da Secas? Na minha avaliação, não. O problema central está na desigual distribuição não só dos recursos naturais, mas, sobretudo, das fontes de conhecimento.

Como já afirmei anteriormente, até o momento, as poucas ações isoladas levadas a cabo pelo governo federal foram insuficientes e ocasionais para solucionar os problemas que são de natureza mais política do que física (ALBUQUERQUE, 1997). O esforço que defendo é o da transposição do conhecimento para o Polígono das Secas. Conhecimento que gera pesquisa e desenvolvimento de tecnologias e soluções inovadoras e gera também emprego e renda.

Para conviver com os longos períodos de estiagem e com a alta evaporação da água no semi-árido sem passar sede ou fome, a população, antes de mais nada, precisa estar preparada para essa realidade. As pessoas devem ser preparadas para, por exemplo, aplicar técnicas de utilização dos solos compatíveis com as condições ambientais do lugar onde vivem.

O semi-árido passou por um processo de esvaziamento nos últimos anos graças à migração da população para outras regiões para dar continuidade a seus estudos ou mesmo conseguir um trabalho que garanta o seu sustento. A maciça maioria das universidades ou unidades universitárias, institutos e centros de pesquisa, empresas e mesmo centros de ensino técnico se encontra fora do Polígono das Secas, o que constitui um atrativo incomparável para os jovens que nascem no semi-árido. Por outro lado, o Polígono das Secas é pouco atraente para empresas, pois os trabalhadores têm baixo índice de escolaridade e qualificação, o que implica, por exemplo, na dificuldade para operar máquinas e equipamentos com maior grau de sofisticação ou complexidade. Onde não há conhecimento, não há produção.

“Uma providência urgentíssima para fixação do homem no interior é a educação pública em todos os níveis. Especialmente o ensino superior, de capital importância na atualidade” (PIMENTA apud ALBUQUERQUE , 1997, 9). Essas palavras do então reitor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) servem de alerta para a gravidade do fato de os centros de ensino e pesquisa de alto nível do Nordeste estarem concentrados fora do Polígono da Seca.

Exemplo da baixíssima densidade de instituições de ensino no semi-árido foi a criação, a partir de 1909, no governo de Nilo Peçanha, das escolas de aprendizes artífices, que, em meados da década de 1960, passaram a ser chamadas de escolas técnicas federais, todas nas capitais brasileiras e, portanto, nenhuma no Polígono das Secas. A maior parte das escolas agrícolas também foi criada fora do Polígono. Somente na década de 1980 é que foram criadas unidades descentralizadas das escolas técnicas federais (Uneds) no semi-árido, mais especificamente em Petrolina (PE), Cajazeiras (PB) e Juazeiro (CE).

Destaco algumas exceções, entre elas, a criação, em 1954, pela Universidade Estadual da Paraíba (UEPB), da Escola Politécnica de Campina Grande. Mas vale salientar que Campina Grande está localizada em uma área de transição. Em 1930, a Inspetoria Federal de Obras Contra as Secas (IFOCS), hoje Departamento Nacional de Obras Contra a Seca (DNOCS), criou o Instituto Agronômico de Área Seca, no município de Souza (PB), depois nominado Instituto José Augusto Trindade. Mas, em 1964, o instituto foi extinto e seu acervo transferido para Campina Grande. Em 1969, foi criada a Escola Superior de Agricultura de Mossoró (Esam) pelo Instituto Nacional de Desenvolvimento Agrário (Inda) que, junto com o Instituto Brasileiro de Reforma Agrária (Ibra), veio a formar o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra).

Considerando as disparidades regionais existentes no País, as universidades nordestinas precisam se adaptar às especificidades locais. Quando assumi a reitoria da Universidade Federal da Paraíba, as diretrizes de meu plano de gestão eram a consolidação institucional, a intensificação das atividades acadêmicas, a integração da universidade à região, a consolidação física da instituição e a participação efetiva do corpo discente na vida universitária (ALBUQUERQUE, 1997). Durante meu reitorado na UFPB, no período de 1976 a 1980, criamos campi em três municípios do semi-árido: Cajazeiras, Souza e Patos. As atividades que passaram a ser desenvolvidas nessas localidades não se limitavam ao ensino, mas também incluíam a pesquisa, a prestação de serviços e a extensão tecnológica. A nossa proposta era que os benefícios conquistados pela universidade fossem aproveitados pela comunidade local.

É essencial que o Ministério da Ciência e Tecnologia e o Ministério da Educação envidem todos os esforços para levar os centros de ensino e P&D ao semi-árido. Já há sinais nesse sentido, como a criação da Fundação Universidade Federal do Vale do São Francisco, com sede em Petrolina (PE), e a transformação da Esam em Universidade Federal Rural do Semi-Árido. A Universidade Federal de Campina Grande, criada a partir do desmembramento da UFPB, e que passou a gerir os campi de Cajazeiras, Souza e Patos, está trabalhando agora na criação de novos campi em Cuité e Sumé. A criação do Instituto Nacional do Semi-Árido Celso Furtado (Insa-CF), ainda em fase de estruturação, é outra medida que deve ser ressaltada. Já em 1975, o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), por meio de seu vice-presidente, José Pelúcio Ferreira, propôs a criação do Instituto de Pesquisa da Zona Central do Semi-Árido no Nordeste Brasileiro, mas a sugestão ficou no papel. Demorou quase 20 anos para que proposta de Pelúcio tomasse forma. Hoje, a comunidade científico-tecnológica comprometida com o desenvolvimento do semi-árido acompanha com muito interesse a estruturação e o início das atividades do Insa-CF.

Venho defendendo, ao longo de minha trajetória, que a educação é um eficiente e eficaz instrumento capaz de viabilizar a melhoria da qualidade de vida dos homens, e que a função social específica da universidade é de prepará-los, para que venham compreender a realidade de sua existência e venham adquirir hábitos sociais compatíveis com sua dignidade. A universidade garante a formação de pessoas capacitadas para promover o desenvolvimento. Justamente por isso, é tão importante que se invista na sua interiorização.Infelizmente, a interiorização que vem sendo feita por meio da maioria das universidades estaduais não é feita de modo sistemático e organizado, de forma a atender os anseios das populações locais, oferecendo ensino de qualidade, pesquisa e extensão. A prática mais comum é a proliferação de colégios de terceiro grau, desprovidos do caráter universalizante inerente à idéia de universidade. A distribuição planejada de campi universitários em municípios do Polígono das Secas, integrados à sociedade local, onde se ministra o ensino e se faz pesquisa e extensão com foco no desenvolvimento humano e regional, é uma estratégia que pode interferir, de forma consistente, a favor da melhoria da qualidade de vida da sua gente. Essa proposta se completa com a presença de centros de pesquisa e desenvolvimento voltados para a realidade do semi-árido e localizados também dentro do Polígono.

A difusão do conhecimento é essencial para o reavivamento do interior brasileiro e para inverter a lógica da migração da população em direção aos grandes centros urbanos. Como já externei anteriormente, a criação e diversificação da oferta de ensino superior, no interior do Nordeste, só pode ser feita por meio do ensino público e gratuito. Essa medida é urgente, pois é a falta de conhecimento que alimenta a indústria da seca. É preciso alargar fronteiras. Mais do que grandiosas obras de infra-estrutura, o semi-árido precisa de pessoas conhecedoras de sua realidade, de pessoas preparadas para ficar e construir, no semi-árido nordestino, a história de uma vida digna. Mas, sem uma verdadeira transposição do conhecimento, essa realidade não será possível.

ALBUQUERQUE, Lynaldo Cavalcanti de. A interiorização interrompida. Brasília, 1997. 24 p.

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