segunda-feira, 18 de agosto de 2008

A nova geografia econômica do Brasil

Paulo Roberto Haddad*

O Brasil vivenciou duas experiências grandiosas de reestruturação da distribuição espacial das atividades econômicas. No ciclo de expansão econômica dos anos JK, as atividades econômicas se concentraram, basicamente, no eixo Rio-São Paulo: de cada cem novos empregos industriais gerados pelo Plano de Metas, 72 se localizaram nesses dois Estados. No longo ciclo de expansão de 1968 a 1980, durante o regime militar, houve uma notável reversão da polarização e as regiões e os Estados menos desenvolvidos passaram a crescer mais rapidamente do que São Paulo e Rio de Janeiro.

Embora não se possa caracterizar o crescimento recente da economia brasileira como um novo ciclo de expansão, há indicativos de que o processo de globalização esteja estimulando a demanda de diferentes produtos intensivos de recursos naturais (minérios, metais, alimentos, papel e celulose, etc.) em muitas regiões menos desenvolvidas. Assim, quase todas as áreas do País em que se acelera o crescimento econômico (sudeste do Pará, Quadrilátero Ferrífero de Minas, centro-norte de Mato Grosso, oeste da Bahia, sul do Maranhão, etc.) se localizam na periferia tradicional e na periferia dinâmica do País.

Em geral, quando se pretende definir quais são as potencialidades de crescimento econômico de uma região a partir da sua dotação de recursos naturais, é preciso estar ciente de que o conceito de potencialidade de recursos é econômico, e não físico. Ou seja, o valor de um recurso natural não é intrínseco ao material, mas depende da estrutura da demanda, dos custos relativos de produção, dos custos de transporte, das inovações tecnológicas que sejam comercialmente adotadas, etc.

A questão dos custos relativos é crítica: uma oportunidade favorável em alguma localidade ou região pode não ser explorada devidamente por causa da existência de melhor oportunidade em outra localidade ou região. Portanto, a incorporação das noções de custo de oportunidade e de concorrência é importante para melhor compreensão do conceito de competitividade inter-regional.

Da mesma forma que a abundância de recursos naturais pode não desencadear um processo de crescimento de uma região ou localidade e ampliar sua capacidade de exportar em escala global, a abundante oferta de mão-de-obra não qualificada ou semiqualificada pode também ser insuficiente para promover esse processo.

Muitas vezes se pensa que salários nominais relativamente menores, em regiões ou localidades menos desenvolvidas de um país, possam ser necessários e suficientes para atrair investimentos intensivos de mão-de-obra, estabelecendo-se uma confusão entre preço da mão-de-obra (pagamento realizado) e custo da mão-de-obra (pagamento realizado dividido pela produção efetivada).

Os empresários preferem localizar seus empreendimentos em países e regiões onde a rentabilidade dos investimentos seja maior. Quanto menor o salário-eficiência (índice de crescimento dos salários nominais dividido pelo índice de crescimento da produtividade), maior a capacidade competitiva da região e maior também o crescimento da produção regional. Como o crescimento dos níveis de salários nominais (entre trabalhadores desempenhando a mesma função) tenderia a ser praticamente igual em todas as regiões, tendo em vista a grande mobilidade destes entre as regiões abertas de uma economia nacional, os salários de eficiência tenderão a cair nas regiões (e nas indústrias particulares das regiões) onde a produtividade cresce mais rapidamente do que a média nacional.

Tudo indica, pois, que, ao terminar a primeira década do século 21, o processo de reversão da polarização observado nos anos 70 terá continuidade, reduzindo-se os níveis de desigualdades entre as regiões brasileiras. Teremos uma nova geografia econômica do Brasil, com um interior mais desenvolvido, novos pólos de crescimento e maior equilíbrio federativo.

Do ponto de vista dos interesses econômicos e sociais das populações residentes nas áreas que se estão beneficiando dos novos projetos de investimento, é fundamental que transformem, a longo prazo, as experiências de crescimento econômico acelerado em processos de desenvolvimento sustentável.

No pós-2ª Guerra Mundial, o Brasil assistiu a várias situações históricas nas quais as regiões receberam um choque de crescimento induzido pela formação de novas bases econômicas, e muitas delas se encontram, atualmente, economicamente deprimidas. Exemplos são inúmeros, tais como o uso predatório da biodiversidade da mata atlântica em áreas do leste brasileiro, a exaustão da fertilidade do solo em áreas do anel de desmatamento da floresta amazônica, zonas de mineração extrativista em bacias hidrográficas da Região Norte, etc.

A tendência é de se seguir o denominado ciclo boom-and-bust econômico: nos primeiros anos, ocorre um rápido crescimento (boom) na renda e no emprego, seguido de um severo declínio (bust), resultado da própria exaustão relativa dos recursos naturais.

Somente o progresso científico e tecnológico, por meio das inovações de novos produtos, de novos processos e de novas técnicas de gestão, poderá permitir que venha a ocorrer um crescimento econômico com eqüidade social e sustentabilidade ambiental, pelo adensamento das cadeias de valor, pela capacidade de diferenciação de produtos de difícil replicabilidade, pela redução do salário-eficiência, pela melhoria da produtividade dos recursos naturais e pela maior qualificação do capital humano e das instituições regionais.


*Paulo Roberto Haddad, professor do Ibmec-MG, foi ministro do Planejamento e da Fazenda no governo Itamar Franco Excepcionalmente, Marco Antonio Rocha não escreve seu artigo hoje.


O Estado de S. Paulo, Econômia e Negócio, segunda-feira, 18 de agosto de 2008.

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