quarta-feira, 27 de agosto de 2008

Dr. Julio, ''O Drama das Secas'' e ''O Retorno''

Rodolfo Nanni*
No dia 29 de abril de 1959, o dr. Julio de Mesquita Filho, diretor de O Estado de S. Paulo, escreveu na seção Notas & Informações um artigo sob o título O drama nordestino. Esse artigo tinha relação direta com o meu filme O Drama das Secas, a que o dr. Julio assistira durante a entrega dos Prêmios Saci, concedidos anualmente pelo jornal a diversas atividades culturais.

O Drama das Secas foi realizado com pequena verba conseguida por Josué de Castro, então presidente da Associação Mundial de Luta Contra a Fome (Ascofam). Josué acreditava, como eu, na importância de se fazer um filme que abordasse a questão da fome no Nordeste. Era o ano de 1958 e o filme registrou o grande êxodo que as secas daquele ano haviam provocado.

Dr. Júlio inicia o seu artigo citando A Bagaceira, de José Lins do Rego, e O Quinze, de Rachel de Queiroz, "duas grandes obras literárias onde o Nordeste perpassa num trágico desfile de cenas dolorosas. Mas, pelo seu alto valor artístico, impõem-se mais como marcos miliares da nossa história literária do que como documentos flagrantes e reais do drama nordestino".

E prossegue: "Vem isto a propósito de um documentário cinematográfico premiado e exibido anteontem no festival do ?Saci?. Trata-se de ?O Drama das Secas?, do sr. Rodolfo Nanni. Raro ou nunca nos foi dado assistir a uma tão dolorosa sucessão de quadros sobre essa luta desigual do homem brasileiro contra a extrema agressividade do solo e clima do Nordeste. Tudo o que havíamos lido e consultado até hoje, acerca desse magno problema, nos levara irresistivelmente para o caminho de soluções mais sentimentais do que práticas. Pungia-nos sobretudo a fome e o abandono a que eram votadas essas legiões de patrícios, eternamente empenhados na luta com a hostilidade do meio (....). Anteontem, porém, à medida que o documentário do sr. Rodolfo Nanni ia desenrolando a nossos olhos as cenas dantescas que a sua câmera fixara nos escaldantes sertões do Nordeste, vimo-nos insensivelmente levados a perguntar-nos se não estarão redondamente enganados os que, traçando planos grandiosos para a solução do problema, deixam de lado um dos seus aspectos principais: o estabelecimento de um estudo preliminar por meio do qual se certifiquem da praticabilidade ou impraticabilidade dos planos."

Relatos sobre as secas são conhecidos desde o século 16 (Fernão Cardim ressalta, em suas crônicas, a situação dos índios do sertão, os quais se abrigaram junto aos brancos e aí ficaram, "por sua ou sem sua vontade"). Mais recentemente, a seca de 1932, no Ceará, fez com que o governo do Estado criasse sete campos de concentração - chamados de currais - nos quais confinou as populações de retirantes que chegavam a Fortaleza. Marco Antônio Villa, em seu competentíssimo livro Vida e Morte no Sertão, relata a morte de 3 milhões de pessoas pela fome, entre 1825 e 1983.

A partir dos anos 1950, grande número de nordestinos começou a migrar para o Sudeste, a fim de trabalharem como operários, sobretudo na construção civil. Impossibilitados de plantar alimentos em suas terras, vieram plantar prédios na cidade de São Paulo, abandonando solos férteis, tornados improdutivos apenas pela má administração dos recursos hídricos.

Para realizar O Retorno, filmado 50 anos depois de O Drama das Secas, rodei 5 mil quilômetros pelas regiões do Agreste e do Sertão nordestinos, repetindo, praticamente, o percurso anterior. Desta vez, dei prioridade a retratar a situação das famílias dos pequenos lavradores pernambucanos, num roteiro que incluía o interior dos municípios de Garanhuns, Águas Belas, Itaíba, Manari, Inajá, Tacaratu, Caraibeiras, Ibimirim, Serra Talhada e Pesqueira.

Estava certo, para mim, que não desejava realizar um filme de simples denúncia.

O que me norteou foi a possibilidade de revelar, mais uma vez, o retrato de uma situação que nenhum de nós, brasileiros, deveria aceitar.

Evitei entrar em questões políticas. Mas é urgente a criação de uma ação que possa corrigir essa inadmissível situação.

Encontrei, agora, cidades mais desenvolvidas, mas em desacerto com o campo.

Filmei açudes imensos, grandes mares de água doce que se fecham em si mesmos. Água à qual os pequenos lavradores não têm acesso. Não foram construídos sistemas de irrigação nem fornecidas possibilidades para o financiamento e a compra de bombas que possam levar a água até eles. Meio século depois, em muitos sítios ainda se andam quilômetros para buscar água numa cacimba, o pote à cabeça. Meio século depois, ainda se vive, em parte, da caça e o pouco que se consegue plantar servirá apenas para o consumo doméstico. Meio século depois, mulheres dão à luz seus filhos sem assistência adequada. Meio século depois, crianças e jovens sonham com um futuro que deverá passar necessariamente pela educação, suprida - em muitos casos - apenas pela boa vontade de um adulto sem formação específica. Meio século depois, tempo em que o mundo experimentou avanços tecnológicos e científicos de grande magnitude, há populações que, a uma hora das cidades que compõem os seus municípios, são obrigadas a viver como em tempos coloniais.

Como já dizia Josué de Castro, a seca não é o principal problema do Sertão, uma vez que o homem poderá conviver com ela, desde que convenientemente administrada. E, como dizia o dr. Júlio, há que se traçar planos e testar a sua praticabilidade.

Meio século depois, eu me pergunto como será o futuro dessas regiões, nos próximos 50 anos, considerando-se as mudanças climáticas que atingirão ainda mais duramente as áreas de seca. O que estamos ainda esperando?

*Rodolfo Nanni é cineasta

Quarta-Feira, 20 de Agosto de 2008, O Estado de S. Paulo

segunda-feira, 25 de agosto de 2008

Inclusão enviesada

Prouni, traz alunos de baixa renda para o ensino superior, mas educação
profissional de nível médio carece de atenção
O PROUNI (Programa Universidade para Todos, do governo federal) merece aprimoramentos, mas ninguém lhe nega o mérito de contribuir para tornar socialmente menos injusto o acesso ao ensino superior.De 2004 a 2006, aumentou de 10% para 15% a parcela de universitários com renda familiar mensal de até três salários mínimos. A concessão de 250 mil bolsas do programa em 2005 (ano de sua efetivação) e 2006, tendo como contrapartida isenções para as faculdades particulares, decerto participou desse avanço auspicioso.

Só em 2006 entraram no sistema 360 mil alunos dessa faixa de renda a mais do que em 2004. Como menos de 140 mil deles receberam o estipêndio do Prouni naquele ano, fica evidente que há outros fatores em ação, como a queda do valor das mensalidades em escolas privadas, o que facilita o acesso a quem não consegue passar na seleção do Prouni.

Apesar do progresso, parece pouco provável que se cumpra a meta de ter 30% dos jovens de 18 a 24 anos cursando o ensino universitário até 2011. De 2004 a 2006, essa taxa líquida de escolarização superior subiu de 10,5% para apenas 12,6%.

No biênio em tela, por outro lado, a população universitária continuou em crescimento encorpado, agregando 1 milhão de estudantes. O sistema universitário se expande por incorporação sobretudo de pessoas acima da faixa etária habitual, que representam hoje 44% do estudantado. Em geral, trabalhadores que já estão no mercado, em busca de valorização profissional.

Não cabe dúvida de que o ensino superior precisa ampliar-se, mas as peculiaridades de tal expansão nos últimos anos assume algumas feições preocupantes. A principal delas diz respeito ao ensino médio, cujo crescimento não tem acompanhado tal ritmo e ainda vai muito mal em qualidade, e também à educação profissional de nível secundário, talvez o ponto mais frágil do sistema educacional brasileiro.

Em 2004 havia 4,5 milhões de universitários e apenas 676 mil alunos de ensino profissional. Dois anos depois, eram 5,5 milhões contra 744 mil. Ou seja, um setor expandiu-se à taxa de 23% e o outro, à de 10%.

Cabe questionar se muitos dos que rumaram para a sonhada vaga na universidade não seriam mais bem atendidos em cursos técnicos, a um custo mais vantajoso tanto para o aluno -que faria um investimento menor de tempo e dinheiro- como para o contribuinte, que é quem custeia as isenções para faculdades que sustentam o Prouni.

O país precisa de sua qualificação, mas necessita também de profissionais de nível técnico -maior gargalo do mercado de trabalho- para fazer frente aos imperativos do desenvolvimento e da competitividade no mercado mundial. Menos de 2% das despesas públicas com educação, contudo, se destinam ao ensino profissional.

Sociedade e governos, em todos os níveis de administração, precisam dar mais atenção a essa modalidade crucial de ensino.

Bird apóia projeto no Alto Solimões

Agência Brasil (Manaus)

O governo do Amazonas e o Banco Mundial ( Bird) firmaram um acordo de financiamento para garantir a realização do projeto de desenvolvimento da região do Alto Solimões. Os recursos totalizam US$ 35 milhões e serão aplicados nos próximos quatro anos em obras de saneamento, desenvolvimento sustentável e saúde nos nove municípios da região. Juntas, essas cidades ocupam 213 mil quilômetros quadrados, com uma população próxima de 230 mil habitantes, que vivem nas áreas urbana e rural e em quase 150 aldeias indígenas.

O acordo, firmado na última terça-feira em Tabatinga, é resultado de quatro anos de negociações, consultas e estudos de órgãos dos governos federal e do Amazonas, da sociedade civil e do Bird. A idéia de investir no Alto Solimões surgiu em 2002, quando uma pesquisa do governo amazonense identificou a área como a região com os mais elevados índices de pobreza e de vulnerabilidade a doenças, além de concentrar o pior Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do Amazonas.

Apesar desses fatores, a região é rica em recursos naturais, abriga grandes áreas de floresta preservada e vasta diversidade de peixes. O Alto Solimões é considerado estratégico pelo governo federal por estar localizado na tríplice fronteira entre o Brasil, a Colômbia e o Peru.

Contrabando de peixes

Segundo o secretário de Produção Rural do Amazonas, Eron Bezerra, o desenvolvimento da região permitirá, por exemplo, o fim do comércio ilegal de peixes com a Colômbia. O secretário antecipa que uma das medidas para desenvolver a região será a implantação de um sistema pesqueiro que organize a atividade no local. De acordo com ele, porém, não é possível saber a quantidade exata de peixe contrabandeado.

"É difícil precisar isso. Ainda assim, pelo que estamos observando, das 130 toneladas de peixe pescadas por mês, cerca de 100 (toneladas) são contrabandeadas." Um engenheiro da Secretaria de Produção Rural (Sepror) já está em Tabatinga para identificar os problemas relacionados à atividade pesqueira e para treinar os profissionais que irão atuar na região. Na região o contrabando de peixes para a Colômbia é aberto.

Quinta-feira, 14 de agosto de 2008, Gazeta Mercantil/Caderno A - Pág. 6

Maior oferta de emprego formal turbina renda

A queda na desigualdade é espetacular, com uma intensidade comparável
à do crescimento da concentração da renda na década de 1960. O Brasil descobriu
nesse movimento uma espécie de poço de petróleo que, bem explorado, está
ajudando a tirar milhões da miséria.
Marcelo Neri (pesquisador da FGV)
A principal razão levantada por Marcelo Neri, da FGV, para explicar o crescimento da classe média é a oferta de empregos no setor formal, que vem batendo recordes neste ano.

Ele destaca como positivo o fato de os indicadores de geração de emprego, aumento da renda e queda da desigualdade terem continuado com tendências positivas nos últimos dois anos, período em que o mundo atravessa crises como a inflação alimentar e o desaquecimento da economia americana.

"É surpreendente que esse movimento da economia brasileira continue mesmo num contexto internacional desfavorável. Antes, o mundo ia bem e no Brasil só se falava em crise. Parece que está ocorrendo o contrário.

"Para Sérgio Vale, economista-chefe da MB Associados, a geração de empregos continuará crescendo. "Entre todas as variáveis econômicas, a geração de emprego é a última a responder ao crescimento. Primeiro a empresa aumenta sua produção usando a capacidade instalada e depois pensa em aumentar o emprego. Esse ciclo positivo tende a dar uma leve desacelerada somente em 2010", diz Vale.

Para Neri, o crescimento da classe média é visível também por outros indicadores. "A venda de carros cresce bastante, e é por isso que o trânsito cada vez mais congestionado de São Paulo é reflexo do aumento da classe média. O consumo de celulares e computadores também é outro indicador de que essa população aumenta."

São Paulo, 6 de agosto de 2008. Folha de S. Paulo

Proporção de pobres cai para 25,2% da população em 2007, diz estudo do Ipea

O presidente do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), Marcio Pochmann, divulgou ontem uma compilação de números que indica a continuidade da queda da pobreza no ano passado, seguindo a tendência iniciada em 2004 com a recuperação da economia do país.

Pela metodologia adotada, os pobres passaram de 27,1% da população das seis principais regiões metropolitanas em 2006 para 25,2% no ano passado eram 35% em 2003.

Já os considerados ricos pelo trabalho do Ipea cresceram em número, mas se mantiveram na proporção de 1% do total das famílias.

Foram utilizados resultados da pesquisa de emprego realizada mensalmente pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). A base de dados tradicionalmente utilizada para as medições de renda e desigualdade, a Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, também do IBGE), que compreende todo o país, ainda não tem informações disponíveis sobre o ano passado. Os dados da Pnad mostram uma taxa diferente de pobreza, de 23,5%, em 2006.

O Ipea considerou pobres os que vivem em famílias com renda até R$ 207,50 (meio salário mínimo, em valores atuais) por pessoa e ricos os que pertence a famílias de renda total superior a R$ 16,6 mil (40 salários mínimos, em valores atuais). Os valores foram adotados para todas as regiões, apesar da diferença de custo de vida entre elas.

Antecipar estudos

Trata-se de um tipo de publicação introduzida por Pochmann no ano passado, quando assumiu o comando do Ipea -o "Comunicado da Presidência", cujo objetivo, segundo o economista, é "antecipar estudos que estão sendo feitos na casa". O comunicado divulgado, o sétimo da série, tem apenas 12 páginas e uma breve nota sobre a metodologia utilizada.

Para o economista, ligado à ala dita desenvolvimentista do PT, o trabalho está em sintonia com os novos objetivos fixados para o órgão, vinculado desde o ano passado à Presidência da República. O Ipea quer priorizar estudos voltados para o longo prazo e a avaliação de políticas públicas.

No texto de ontem, o instituto também afirma que "os detentores dos meios de produção podem estar se apoderando de parcela crescente da renda nacional".

A hipótese se ampara em uma outra pesquisa do IBGE, sobre a produtividade na indústria que estaria crescendo acima da renda dos trabalhadores do setor. O estudo não informa, porém, a proporção dos trabalhadores industriais no total. "Eu não saberia dizer com certeza, mas deve ser cerca de um terço", disse Pochmann, questionado sobre o número. Ele ponderou, porém, que os trabalhadores do setor são os mais organizados.

6 de agosto de 2008, Folha de S. Paulo - SP

FGV vê mais solidez na ascensão social

Antônio Goisna
De cada cem trabalhadores das seis maiores regiões metropolitanas que estavam em situação de miséria em janeiro deste ano, 32 aumentaram sua renda e mudaram de classe social após quatro meses. Essa maior mobilidade ajudou a reduzir a desigualdade e encorpou a classe média.

É o que mostra estudo divulgado ontem pelo economista Marcelo Neri, do Centro de Políticas Sociais da FGV. A pesquisa identifica que esses movimentos de aumento da classe média e de redução da desigualdade, que começaram a ser detectados nesta década, continuam fortes neste ano.

Como resultado, a proporção de miseráveis nas maiores regiões metropolitanas caiu de 35% para 25% de abril de 2002 a abril de 2008. No período, a classe média, que era 44% da população, chegou a 52%.

Resultados semelhantes foram encontrados em outro levantamento divulgado pelo Ipea (leia texto nesta página).

O estudo da FGV definiu como classe média a população cuja renda domiciliar total se situava entre R$ 1.064 e R$ 4.591. Foi incluído na classe E, abaixo da linha de miséria, a população cuja renda domiciliar fosse inferior a R$ 768.

Neri explica que sempre houve grande mobilidade social no Brasil, principalmente no caso de pobres que conseguiam subir para a classe média, mas logo voltavam para a pobreza. Desta vez, ele diz que os dados são mais animadores: "Esse movimento não parece mais um vôo de galinha, como tantos que tivemos no Brasil".

Analisando a mobilidade entre classes sociais nas regiões metropolitanas, o estudo de Neri mostra que, em 2003, 79% dos trabalhadores conseguiram permanecer na classe média num período de quatro meses. Em 2008, esse percentual aumentou para 85%.

No caso da classe E, o percentual dos que conseguiram ascender passou de 27% para 32%, sendo que 16% foram para a classe D, 15% para a classe média (C) e 1% chegou à elite (classe A ou B).

A maior mobilidade, no entanto, acontece na classe D, aquela situada entre os miseráveis (E) e a classe média (C).

Em 2003, o movimento desses trabalhadores era ligeiramente mais descendente (24% caíram para a classe E) do que ascendente (23% foram para a classe C). Em 2008, o percentual dos que subiram foi de 30%, exatamente o dobro dos que caíram: 15%.

Para o economista, esses dados são positivos e se refletem na melhoria da distribuição de renda. "A queda na desigualdade que estamos presenciando agora é espetacular, com uma intensidade comparável à do crescimento da concentração da renda na década de 1960. O Brasil descobriu nesse movimento uma espécie de poço de petróleo que, bem explorado, está ajudando a tirar milhões de famílias da miséria.

"Para Sérgio Vale, economista-chefe da MB Associados, mesmo com o cenário externo menos favorável, a tendência é que a classe C continue crescendo no país graças à geração de empregos.

"A tendência de oferta de crédito ainda é favorável, e o setor de construção segue investindo pesado. Isso dá mais garantias para a classe média se expandir. O cenário externo ainda não deve atrapalhar, nem ajudar", diz Vale.

Quarta-feira, 6 de Agosto de 2008, Folha de S. Paulo.

Internet não é mais coisa de burguês

Indio Brasileiro*
Até pouco tempo a presença da classe C na internet estava restrita principalmente a iniciativas de ONGs e projetos isolados de inclusão digital de administrações públicas voltados para escolas. Mas a medida provisória (MP do Bem), a queda do dólar e a possibilidade de comprar em várias parcelas, entre outros fatores, vêm transformando o sonho de consumo do computador em realidade.

Foram necessários mais de dez anos para que a web chegasse nas camadas mais populares e deixasse de ser privilégio das elites. Agora, a classe C é a que cresce mais rapidamente na internet e é justamente a que oferece maior potencial de crescimento se considerarmos que as classes com maior poder aquisitivo já estão massivamente conectadas. A entrada deste novo universo de internautas de baixa renda na rede impõe um novo desafio às marcas e aos varejistas, como conquistar e se relacionar com esta massa emergente de consumidores on-line que, assim como no mundo real, são disputados vorazmente. Seria replicável no comércio eletrônico a fórmula da Casas Bahia de oferecer crediário e facilidades de pagamento para clientes que somente podem comprar em infinitas parcelas. Tudo indica que sim. Afinal, seja na internet, na 25 de março ou no shopping popular, o consumidor é o mesmo. Seu salário continua sendo dividido dentro do orçamento doméstico da mesma maneira e seu poder de compra também não mudou. O portal Terra divulgou recentemente uma pesquisa indicando que quase 50% dos jovens da classe C de três capitais (São Paulo, Recife e Porto Alegre) já têm acesso à internet em casa, sendo que 77,2% deles navegam em banda larga. Mas, ao mesmo tempo, o estudo mostrou também um medo maior desta camada social de usar o cartão de crédito para fazer compras on-line porque o limite do plástico é mais baixo para estes consumidores e eles têm medo de não conseguir provar para as administradoras de que foram vítimas de fraudes. O que não quer dizer que a web já não tenha se transformado no ponto de partida para decisão de compra entre estes marujos de primeira viagem cibernética, já que 49,2% pesquisam na rede antes de sair às compras.

Algumas financeiras e lojas virtuais já acordaram para o fenômeno e estão começando a oferecer crédito para fazer compras na rede em parcelas a perder de vista. É uma estratégia, no mínimo, inteligente. Afinal, se esses consumidores já estão passando em frente das vitrines virtuais, nada mais lógico do que usar dos mesmos recursos do varejo popular para trazê-los para dentro da loja e, é claro, vender. A própria Casas Bahia vem contribuindo para o crescimento do parque de computadores entre seus clientes, oferecendo a possibilidade de comprá-lo em até 12 vezes. E se estes mesmos clientes estão agora se conectando e surgindo como uma nova massa de potenciais consumidores, seria uma imprudência imperdoável deixar de seduzi-los nas prateleiras digitais com as mesmas condições de fechar um bom negócio. Mas preço, produto, promoção e ponto-de- venda são os únicos fatores a serem considerados para atrair estes novos clientes que acabam de ingressar no comércio eletrônico? Bem, considerando que estes novos adeptos ainda estão apenas começando a dar seus primeiros passos no universo de bits e bites, buscar simplesmente reproduzir as mesmas premissas que regem o varejo off-line não será, com certeza, suficiente. É o velho ditado: "não basta dar vara e isca; é preciso ensinar a pescar".

Quem quiser abocanhar uma fatia destes desejados clientes, que, vale lembrar, têm índices menores de inadimplência, precisará também transpor para o varejo on-line uma estratégia de marketing e comunicação que conquiste seus corações e bolsos. Assim como os mais ricos levaram um tempo depois que começaram a navegar para fazer compras pela rede, os menos favorecidos, e que por isso são também mais desconfiados, terão que ser convencidos de que comprar sua próxima geladeira pela internet está longe de ser um bicho-de-sete -cabeças. Por isso marqueteiros, é bom lembrar que a internet já não é mais somente a terra dos burgueses digitais.

*Indio Brasileiro, sócio-diretor da FirstCom Comunicação e da I-Group, São Paulo

14 de Agosto de 2008, Gazeta Mercantil/Caderno A - Pág. 2

segunda-feira, 18 de agosto de 2008

A nova geografia econômica do Brasil

Paulo Roberto Haddad*

O Brasil vivenciou duas experiências grandiosas de reestruturação da distribuição espacial das atividades econômicas. No ciclo de expansão econômica dos anos JK, as atividades econômicas se concentraram, basicamente, no eixo Rio-São Paulo: de cada cem novos empregos industriais gerados pelo Plano de Metas, 72 se localizaram nesses dois Estados. No longo ciclo de expansão de 1968 a 1980, durante o regime militar, houve uma notável reversão da polarização e as regiões e os Estados menos desenvolvidos passaram a crescer mais rapidamente do que São Paulo e Rio de Janeiro.

Embora não se possa caracterizar o crescimento recente da economia brasileira como um novo ciclo de expansão, há indicativos de que o processo de globalização esteja estimulando a demanda de diferentes produtos intensivos de recursos naturais (minérios, metais, alimentos, papel e celulose, etc.) em muitas regiões menos desenvolvidas. Assim, quase todas as áreas do País em que se acelera o crescimento econômico (sudeste do Pará, Quadrilátero Ferrífero de Minas, centro-norte de Mato Grosso, oeste da Bahia, sul do Maranhão, etc.) se localizam na periferia tradicional e na periferia dinâmica do País.

Em geral, quando se pretende definir quais são as potencialidades de crescimento econômico de uma região a partir da sua dotação de recursos naturais, é preciso estar ciente de que o conceito de potencialidade de recursos é econômico, e não físico. Ou seja, o valor de um recurso natural não é intrínseco ao material, mas depende da estrutura da demanda, dos custos relativos de produção, dos custos de transporte, das inovações tecnológicas que sejam comercialmente adotadas, etc.

A questão dos custos relativos é crítica: uma oportunidade favorável em alguma localidade ou região pode não ser explorada devidamente por causa da existência de melhor oportunidade em outra localidade ou região. Portanto, a incorporação das noções de custo de oportunidade e de concorrência é importante para melhor compreensão do conceito de competitividade inter-regional.

Da mesma forma que a abundância de recursos naturais pode não desencadear um processo de crescimento de uma região ou localidade e ampliar sua capacidade de exportar em escala global, a abundante oferta de mão-de-obra não qualificada ou semiqualificada pode também ser insuficiente para promover esse processo.

Muitas vezes se pensa que salários nominais relativamente menores, em regiões ou localidades menos desenvolvidas de um país, possam ser necessários e suficientes para atrair investimentos intensivos de mão-de-obra, estabelecendo-se uma confusão entre preço da mão-de-obra (pagamento realizado) e custo da mão-de-obra (pagamento realizado dividido pela produção efetivada).

Os empresários preferem localizar seus empreendimentos em países e regiões onde a rentabilidade dos investimentos seja maior. Quanto menor o salário-eficiência (índice de crescimento dos salários nominais dividido pelo índice de crescimento da produtividade), maior a capacidade competitiva da região e maior também o crescimento da produção regional. Como o crescimento dos níveis de salários nominais (entre trabalhadores desempenhando a mesma função) tenderia a ser praticamente igual em todas as regiões, tendo em vista a grande mobilidade destes entre as regiões abertas de uma economia nacional, os salários de eficiência tenderão a cair nas regiões (e nas indústrias particulares das regiões) onde a produtividade cresce mais rapidamente do que a média nacional.

Tudo indica, pois, que, ao terminar a primeira década do século 21, o processo de reversão da polarização observado nos anos 70 terá continuidade, reduzindo-se os níveis de desigualdades entre as regiões brasileiras. Teremos uma nova geografia econômica do Brasil, com um interior mais desenvolvido, novos pólos de crescimento e maior equilíbrio federativo.

Do ponto de vista dos interesses econômicos e sociais das populações residentes nas áreas que se estão beneficiando dos novos projetos de investimento, é fundamental que transformem, a longo prazo, as experiências de crescimento econômico acelerado em processos de desenvolvimento sustentável.

No pós-2ª Guerra Mundial, o Brasil assistiu a várias situações históricas nas quais as regiões receberam um choque de crescimento induzido pela formação de novas bases econômicas, e muitas delas se encontram, atualmente, economicamente deprimidas. Exemplos são inúmeros, tais como o uso predatório da biodiversidade da mata atlântica em áreas do leste brasileiro, a exaustão da fertilidade do solo em áreas do anel de desmatamento da floresta amazônica, zonas de mineração extrativista em bacias hidrográficas da Região Norte, etc.

A tendência é de se seguir o denominado ciclo boom-and-bust econômico: nos primeiros anos, ocorre um rápido crescimento (boom) na renda e no emprego, seguido de um severo declínio (bust), resultado da própria exaustão relativa dos recursos naturais.

Somente o progresso científico e tecnológico, por meio das inovações de novos produtos, de novos processos e de novas técnicas de gestão, poderá permitir que venha a ocorrer um crescimento econômico com eqüidade social e sustentabilidade ambiental, pelo adensamento das cadeias de valor, pela capacidade de diferenciação de produtos de difícil replicabilidade, pela redução do salário-eficiência, pela melhoria da produtividade dos recursos naturais e pela maior qualificação do capital humano e das instituições regionais.


*Paulo Roberto Haddad, professor do Ibmec-MG, foi ministro do Planejamento e da Fazenda no governo Itamar Franco Excepcionalmente, Marco Antonio Rocha não escreve seu artigo hoje.


O Estado de S. Paulo, Econômia e Negócio, segunda-feira, 18 de agosto de 2008.

quinta-feira, 14 de agosto de 2008

Transposição do conhecimento: a verdadeira geração de riquezas para o semi-árido


Escrito em 2005, para subsidiar as discussões do estudo “Iniciativas Estratégicas para Apoiar Inovações no Nordeste (Inova NE)”, organizado pelo Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT) e pelo Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE), o artigo Transposição do Conhecimento: a verdadeira geração de riquezas para o Semi-Árido foi escrito por mim em um dos auges das discussões sobre a transposição do Rio São Francisco.
O meu intuito em disponibilizar este artigo como porta de entrada do blog Lynaldo Cavalcanti é me conceder um espaço pessoal, mas compartilhado com todo o Brasil, para colocar em discussão na rede mundial de comunicação, que é a internet, idéias e propostas que tenho defendido e empreendido ao longo de 44 anos que atuo como gestor de ciência e tecnologia e educação dos meus 52 anos de vida profissional.Conto com a colaboração de todos, que defendem a transposição do conhecimento para o Polígono das Secas e para todas as regiões e microrregiões menos desenvolvidas de nosso país, para a construção deste canal de comunicação, que espero possa contribuir para a reflexão daqueles que o acessarem e que também sirva como estímulo aos que acreditam no desenvolvimento regional de fato.

Um abraço a todos,

Lynaldo Cavalcanti de Albuquerque


Veja a íntegra do artigo abaixo:



Engenheiro Civil
Presidente do InTC

O Projeto de Integração da Bacia do Rio São Francisco com as Bacias Hidrográficas do Nordeste Setentrional, mais conhecido como Transposição do Rio São Francisco, é uma das prioridades do governo federal. A iniciativa prevê a captação de 1% da água que o rio joga hoje ao mar para o consumo humano e animal na região do semi-árido, beneficiando, segundo dados do Ministério da Integração Nacional, 12 milhões de pessoas.

Entretanto, especialistas e parte da população da região discordam do projeto e temem seus impactos. O governo concorda que a medida exige cuidados como a revitalização do rio, mas insiste na idéia e promete realizar o projeto orçado em R$ 4,5 bilhões.

Um dos principais argumentos do governo para a realização do projeto é a desigual distribuição das fontes de água no País. Mas essa é a questão central dos problemas sociais que afligem a população do Polígono da Secas? Na minha avaliação, não. O problema central está na desigual distribuição não só dos recursos naturais, mas, sobretudo, das fontes de conhecimento.

Como já afirmei anteriormente, até o momento, as poucas ações isoladas levadas a cabo pelo governo federal foram insuficientes e ocasionais para solucionar os problemas que são de natureza mais política do que física (ALBUQUERQUE, 1997). O esforço que defendo é o da transposição do conhecimento para o Polígono das Secas. Conhecimento que gera pesquisa e desenvolvimento de tecnologias e soluções inovadoras e gera também emprego e renda.

Para conviver com os longos períodos de estiagem e com a alta evaporação da água no semi-árido sem passar sede ou fome, a população, antes de mais nada, precisa estar preparada para essa realidade. As pessoas devem ser preparadas para, por exemplo, aplicar técnicas de utilização dos solos compatíveis com as condições ambientais do lugar onde vivem.

O semi-árido passou por um processo de esvaziamento nos últimos anos graças à migração da população para outras regiões para dar continuidade a seus estudos ou mesmo conseguir um trabalho que garanta o seu sustento. A maciça maioria das universidades ou unidades universitárias, institutos e centros de pesquisa, empresas e mesmo centros de ensino técnico se encontra fora do Polígono das Secas, o que constitui um atrativo incomparável para os jovens que nascem no semi-árido. Por outro lado, o Polígono das Secas é pouco atraente para empresas, pois os trabalhadores têm baixo índice de escolaridade e qualificação, o que implica, por exemplo, na dificuldade para operar máquinas e equipamentos com maior grau de sofisticação ou complexidade. Onde não há conhecimento, não há produção.

“Uma providência urgentíssima para fixação do homem no interior é a educação pública em todos os níveis. Especialmente o ensino superior, de capital importância na atualidade” (PIMENTA apud ALBUQUERQUE , 1997, 9). Essas palavras do então reitor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) servem de alerta para a gravidade do fato de os centros de ensino e pesquisa de alto nível do Nordeste estarem concentrados fora do Polígono da Seca.

Exemplo da baixíssima densidade de instituições de ensino no semi-árido foi a criação, a partir de 1909, no governo de Nilo Peçanha, das escolas de aprendizes artífices, que, em meados da década de 1960, passaram a ser chamadas de escolas técnicas federais, todas nas capitais brasileiras e, portanto, nenhuma no Polígono das Secas. A maior parte das escolas agrícolas também foi criada fora do Polígono. Somente na década de 1980 é que foram criadas unidades descentralizadas das escolas técnicas federais (Uneds) no semi-árido, mais especificamente em Petrolina (PE), Cajazeiras (PB) e Juazeiro (CE).

Destaco algumas exceções, entre elas, a criação, em 1954, pela Universidade Estadual da Paraíba (UEPB), da Escola Politécnica de Campina Grande. Mas vale salientar que Campina Grande está localizada em uma área de transição. Em 1930, a Inspetoria Federal de Obras Contra as Secas (IFOCS), hoje Departamento Nacional de Obras Contra a Seca (DNOCS), criou o Instituto Agronômico de Área Seca, no município de Souza (PB), depois nominado Instituto José Augusto Trindade. Mas, em 1964, o instituto foi extinto e seu acervo transferido para Campina Grande. Em 1969, foi criada a Escola Superior de Agricultura de Mossoró (Esam) pelo Instituto Nacional de Desenvolvimento Agrário (Inda) que, junto com o Instituto Brasileiro de Reforma Agrária (Ibra), veio a formar o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra).

Considerando as disparidades regionais existentes no País, as universidades nordestinas precisam se adaptar às especificidades locais. Quando assumi a reitoria da Universidade Federal da Paraíba, as diretrizes de meu plano de gestão eram a consolidação institucional, a intensificação das atividades acadêmicas, a integração da universidade à região, a consolidação física da instituição e a participação efetiva do corpo discente na vida universitária (ALBUQUERQUE, 1997). Durante meu reitorado na UFPB, no período de 1976 a 1980, criamos campi em três municípios do semi-árido: Cajazeiras, Souza e Patos. As atividades que passaram a ser desenvolvidas nessas localidades não se limitavam ao ensino, mas também incluíam a pesquisa, a prestação de serviços e a extensão tecnológica. A nossa proposta era que os benefícios conquistados pela universidade fossem aproveitados pela comunidade local.

É essencial que o Ministério da Ciência e Tecnologia e o Ministério da Educação envidem todos os esforços para levar os centros de ensino e P&D ao semi-árido. Já há sinais nesse sentido, como a criação da Fundação Universidade Federal do Vale do São Francisco, com sede em Petrolina (PE), e a transformação da Esam em Universidade Federal Rural do Semi-Árido. A Universidade Federal de Campina Grande, criada a partir do desmembramento da UFPB, e que passou a gerir os campi de Cajazeiras, Souza e Patos, está trabalhando agora na criação de novos campi em Cuité e Sumé. A criação do Instituto Nacional do Semi-Árido Celso Furtado (Insa-CF), ainda em fase de estruturação, é outra medida que deve ser ressaltada. Já em 1975, o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), por meio de seu vice-presidente, José Pelúcio Ferreira, propôs a criação do Instituto de Pesquisa da Zona Central do Semi-Árido no Nordeste Brasileiro, mas a sugestão ficou no papel. Demorou quase 20 anos para que proposta de Pelúcio tomasse forma. Hoje, a comunidade científico-tecnológica comprometida com o desenvolvimento do semi-árido acompanha com muito interesse a estruturação e o início das atividades do Insa-CF.

Venho defendendo, ao longo de minha trajetória, que a educação é um eficiente e eficaz instrumento capaz de viabilizar a melhoria da qualidade de vida dos homens, e que a função social específica da universidade é de prepará-los, para que venham compreender a realidade de sua existência e venham adquirir hábitos sociais compatíveis com sua dignidade. A universidade garante a formação de pessoas capacitadas para promover o desenvolvimento. Justamente por isso, é tão importante que se invista na sua interiorização.Infelizmente, a interiorização que vem sendo feita por meio da maioria das universidades estaduais não é feita de modo sistemático e organizado, de forma a atender os anseios das populações locais, oferecendo ensino de qualidade, pesquisa e extensão. A prática mais comum é a proliferação de colégios de terceiro grau, desprovidos do caráter universalizante inerente à idéia de universidade. A distribuição planejada de campi universitários em municípios do Polígono das Secas, integrados à sociedade local, onde se ministra o ensino e se faz pesquisa e extensão com foco no desenvolvimento humano e regional, é uma estratégia que pode interferir, de forma consistente, a favor da melhoria da qualidade de vida da sua gente. Essa proposta se completa com a presença de centros de pesquisa e desenvolvimento voltados para a realidade do semi-árido e localizados também dentro do Polígono.

A difusão do conhecimento é essencial para o reavivamento do interior brasileiro e para inverter a lógica da migração da população em direção aos grandes centros urbanos. Como já externei anteriormente, a criação e diversificação da oferta de ensino superior, no interior do Nordeste, só pode ser feita por meio do ensino público e gratuito. Essa medida é urgente, pois é a falta de conhecimento que alimenta a indústria da seca. É preciso alargar fronteiras. Mais do que grandiosas obras de infra-estrutura, o semi-árido precisa de pessoas conhecedoras de sua realidade, de pessoas preparadas para ficar e construir, no semi-árido nordestino, a história de uma vida digna. Mas, sem uma verdadeira transposição do conhecimento, essa realidade não será possível.

ALBUQUERQUE, Lynaldo Cavalcanti de. A interiorização interrompida. Brasília, 1997. 24 p.

Entrevista: Para Lynaldo, desconcentração em C&T é prioridade

Lynaldo Cavalcanti de Albuquerque, secretário-executivo da ABIPTI, afirma que o MCT não pode ser o único órgão responsável pela questão da desconcentração regional em Ciência e Tecnologia. Para ele, o governo federal deve se empenhar de forma conjunta para sanar esse problema.

O secretário-executivo destaca ainda a atuação dos fóruns de Secretários Estaduais de C&T e das Fundações de Amparo à Pesquisa junto à esfera federal. Segundo Lynaldo, a presença do Fórum de Secretários no CCT é uma conquista para os Sistemas Estaduais de C&T.

Outro ponto abordado pelo secretário-executivo foi a falta de recursos humanos qualificados em alguns Estados. Para resolver essa questão, Lynaldo Cavalcanti afirma que só há duas saídas. A primeira é investir na atração de profissionais qualificados para essas unidades federativas. A outra solução é os Estados investirem em programas de qualificação.

Lynaldo também fala da importância da Secretaria de C&T para a Inclusão Social, uma unidade do MCT. Ele afirma que é uma iniciativa inovadora que precisa ser preservada e apoiada.

Entrevista publicada no informativo Gestão C&T Impresso, de dezembro de 2003, Nº 39, Ano 4

Lynaldo afirma que desconcentração regional é um problema do governo como um todo

O secretário-executivo da ABIPTI, Lynaldo Cavalcanti de Albuquerque, afirma que a problemática da desconcentração regional em Ciência e Tecnologia é algo que deve envolver todo o governo federal e não somente o MCT. Lynaldo Cavalcanti declarou ainda que os Arranjos Produtivos Locais não tiveram a mesma força em 2003, comparado com o desempenho de 2001 e 2002.

Gestão C&T - O governo federal, em particular o MCT, tem dado especial atenção à desconcentração regional em C&T. Que avaliação o senhor faz das políticas implementadas nesse sentido?

Lynaldo Cavalcanti - Eu gostaria de destacar o discurso corajoso do ministro Roberto Amaral, que enfatizava a necessidade de implementação de ações e programas que levassem à desconcentração regional. Agora, resta saber se as agências do MCT, particularmente o CNPq, aceitaram o discurso de Amaral e, nas suas ações, durante 2003, estabeleceram programas e repassaram recursos nesse sentido.

Considero que ainda há muito por fazer. Na medida em que houve no CNPq um enfraquecimento da ação institucional e um retorno do processo de decisão feito exclusivamente por comitês assessores, que são compostos, em sua maioria, por professores das regiões Sudeste e Sul, muitas vezes ocorreram concentrações. Além disso, o próprio Pronex é um caso de programa que se tornou impraticável, tendo em vista a limitação de pessoas qualificadas em alguns Estados. Citaria, também, o Programa de Tecnologias Apropriadas que, na parte que se refere ao CNPq, praticamente não foi implementado.

Os Arranjos Produtivos Locais, que tiveram grande ênfase nos anos de 2001 e 2002, não tiveram a mesma força nesse ano.

Apesar disso, é preciso registrar a ação do Programa de Apoio à Pesquisa em Empresas (Pappe) da Finep, que, apoiado pelo ministro Amaral, envolveu praticamente todas as Fundações de Amparo à Pesquisa em uma iniciativa de suporte aos pesquisadores que atuam nas pequenas empresas.

Em relação às ações do restante do governo federal, a Sudene e a Sudam não foram recriadas. É uma pena, pois esses projetos traziam fortes componentes de Ciência e Tecnologia. É preciso uma ação do governo como um todo na questão da desconcentração, não apenas do MCT.

Gestão C&T - O senhor fez um breve comentário a respeito do Programa de Apoio à Pesquisa em Empresas (Pappe). Poderia fazer uma avaliação mais detalhada?

Lynaldo Cavalcanti - O Pappe envolve pesquisadores que atuam com ações de interesse de empresas. Em um País desigual como o nosso, certamente haverá dificuldades em algumas regiões ou em alguns Estados. Além disso, é importante a participação de outras instituições do sistema local de inovação, particularmente do Sebrae.

Também é preciso que a Finep faça um acompanhamento das iniciativas e ajude as instituições, principalmente aquelas mais incipientes, pois muitas não recebem os recursos previstos nas Constituições Estaduais.

Gestão C&T - Como o senhor avalia a criação no MCT da Secretaria de C&T para a Inclusão Social?

Lynaldo Cavalcanti - Acho que essa iniciativa tem que ser apoiada e preservada, pois se trata de uma inovação. É um setor, coordenado pelo senhor Jocelino Menezes, que atua na popularização da Ciência, nos Arranjos Produtivos Locais e nas Tecnologias Apropriadas.

Muitas secretarias tiveram que ser sacrificadas e houve até oposição de pessoas da comunidade científico-tecnológica em relação à Secretaria de Inclusão Social, mas, como eu disse, é uma Secretaria que está mostrando para que veio e tem hoje uma grande importância para a área de C&T.

Gestão C&T - Como o senhor recebeu a notícia da instalação do Instituto Nacional do Semi-Árido em Campina Grande?

Lynaldo Cavalcanti - Como paraibano de Campina Grande, evidentemente, fiquei muito satisfeito. Mas eu mesmo já tinha declarado antes que era melhor, em vez de um instituto do Semi-Árido, que se recriasse um programa de desenvolvimento científico-tecnológico para o Nordeste, como foi feito pelo CNPq, entre 1984 e 1990, com o apoio do BID, com investimentos de US$ 45 milhões, concentrado em cinco Estados – Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte, Ceará e Piauí – com enfoque multidisciplinar do Semi-Árido. Então seria melhor um programa atualizado, revisto e aperfeiçoado em vez de um instituto.

Além disso, até agora, o Instituto não teve sua base institucional estabelecida. Criou-se uma comissão para dirigi-lo, que está dando grande ênfase à biotecnologia, não sei bem porque razão.

Gestão C&T - Nos últimos anos, temos assistido à criação de Fundações de Amparo à Pesquisa e de Secretarias de C&T nos Estados e municípios. Em sua opinião, qual a importância desse processo?

Lynaldo Cavalcanti - Ressalvando-se os Estados que se anteciparam ao próprio governo federal, como São Paulo, esse é um processo que, no plano federal, começou em 1980, com uma ação do CNPq, por meio dos Sistemas Estaduais de C&T.

Essa iniciativa é praticamente interrompida e só é retomada pelo ministro Ronaldo Sardenberg, utilizando-se, como ele dizia, uma lógica regional na ação do Ministério. Essa ação é enfatizada e consolidada, inclusive com um discurso mais contundente e um repasse direto às fundações, embora ainda limitado.

De fato, desde 1999, foi muito positivo que todos os ministros de C&T cobrassem dos Estados esse compromisso. Muitas unidades federativas estavam inadimplentes e algumas tinham até regredido na área de C&T. Essa problemática demonstra uma questão cultural: os políticos não valorizam a Ciência e Tecnologia como um fator de desenvolvimento.

De alguma forma, hoje nós temos muitos Estados com uma secretaria exclusiva de C&T, mesmo que não seja só de Ciência e Tecnologia a área tem uma importância, tem um papel.

As FAPs ainda são muito desiguais, mas eu noto que cada vez mais a nomeação dos dirigentes leva em conta o mérito acadêmico e a experiência em C&T. São poucas as nomeações que são feitas como distribuição de cargos políticos.

Quanto aos municípios, há um movimento muito salutar, não é um movimento de grandes números, talvez isso até surpreenda porque grandes cidades não se preocuparam com o assunto e cidades menores estão dando grande importância para a questão, como, por exemplo, Itajubá, Campina Grande, Aracaju, Vitória etc. Esperamos que as ações do Fórum de Secretários Municipais, que têm o apoio da ABIPTI e da Finep, possam prosseguir e se consolidar.

Gestão C&T - Um problema que afeta vários Estados brasileiros menos desenvolvidos é a falta de recursos humanos qualificados que acaba levando a um menor número de projetos financiados nessas localidades. Como romper essa lógica?
Lynaldo Cavalcanti - Só existem duas soluções: atrair pessoas já qualificadas para esses Estados e fixá-las, pelo menos por algum tempo, ou ter programas de qualificação local ou em outros centros nacionais ou até no exterior.

Como reitor da Universidade Federal da Paraíba, de 1976 a 1980, eu levei para a instituição mais de 200 pesquisadores estrangeiros, qualificados nas mais diversas áreas do conhecimento. Eram profissionais da Índia, Argentina, Peru, Chile, Canadá e Alemanha. Além disso, a Universidade mandou muitas pessoas fazerem pós-graduação, principalmente por meio do Programa Institucional de Capacitação de Docentes (PICD), que existiu na Capes, de 1975 a 2000, e parece que hoje foi restabelecido com outro nome e com vagas muito limitadas.

Não há outra forma, é preciso atrair e fixar cérebros, porque sem neurônios ninguém vai fazer planejamento e gestão de C&T.

Gestão C&T - A ABIPTI é a secretaria executiva dos fóruns de Secretários Estaduais de C&T e das FAPs e apóia as ações do Fórum de Secretários Municipais de C&T. Na sua avaliação, qual tem sido a importância da atuação desses fóruns?

Lynaldo Cavalcanti - Os Fóruns, através de suas lideranças, que são eleitas, não só o presidente e o vice, mas os representantes regionais, estão presentes e atuantes junto ao governo federal. A presença do Fórum dos Secretários no CCT e em vários outros órgãos colegiados tem sido de grande importância para o fortalecimento dos Sistemas Estaduais de C&T.

Gestão C&T - O Congresso ABIPTI 2004 discutirá o tema Tecnologias para Inclusão Social: O Papel dos Sistemas de Ciência, Tecnologia e Inovação. Quais são as expectativas em relação a esse evento?

Lynaldo Cavalcanti - Esse Congresso de Minas Gerais talvez seja o nosso melhor evento, pois a participação local foi muito entusiástica. Várias instituições estão engajadas, inclusive a própria Secretaria de C&T mineira, a Fapemig e a Federação das Indústrias de Minas Gerais.

O número de trabalhos apresentados também é significativo e toda a equipe, da ABIPTI e de Minas, está bastante empenhada. Assim, acredito que o evento será de grande importância, inclusive pelo próprio tema.

Gestão C&T - A ABIPTI, em parceria com o MCT e Basa, desenvolveu o Projeto Plataformas Tecnológicas para a Amazônia Legal. Quais são os principais resultados e quais são as ações previstas?

Lynaldo Cavalcanti - A ABIPTI, a partir de 2000, foi convocada pelo MCT e pelo Basa para ser uma parceira em uma ação do Banco que ia ajudar os Estados da região Norte a organizar as Plataformas Tecnológicas.

Nós tivemos uma ação muito intensa em 2001 e 2002. Em 2003, com a mudança de governo, houve um período de transição que quase nos levou a interromper as atividades. Após uma audiência com o novo presidente do Basa, decidiu-se que vamos continuar com a realização de cursos de agronegócios, com a criação de núcleos de gestão tecnológica e, também, com as ações dos Arranjos Produtivos Locais.

Gestão C&T - Desde 1993, a ABIPTI oferece o curso para formação de Agentes de Inovação Tecnológica. Como esses recursos humanos estão sendo aproveitados nos sistemas estaduais e municipais de inovação tecnológica?

Lynaldo Cavalcanti - Esse programa surgiu da Comissão de Competitividade e Difusão Tecnológica (CCDT), inserida na Diretoria de Programas Especiais do CNPq, que foi extinta. Foi unânime a opinião do Sebrae, do Senai, do IEL, do CNPq e da Finep de que era preciso partir para um treinamento descentralizado de pessoas especializadas em gestão tecnológica.

Nós fizemos o primeiro curso em Brasília e, nos últimos dez anos, como o apoio não foi constante precisamos reduzir o número de programas. A nossa idéia era cobrir todo o território nacional, com exceção do Rio e de São Paulo, pois achávamos que esses dois Estados não precisavam, mas até agora ainda não fizemos cursos em Roraima, no Acre, no Rio Grande do Norte, em Santa Catarina e em Minas Gerais. Em compensação, realizamos dois cursos no Amazonas e no Rio Grande do Sul.

Agora, com o apoio do MCT, por meio da Secretaria de C&T para a Inclusão Social, nós esperamos retomar esse programa. Também estamos negociando com o Sebrae, junto com a Universidade Católica de Brasília (UCB), a realização de um programa de formação de Agentes de Inovação Tecnológica a distância.Boa parte das quase 600 pessoas treinadas pelo programa foi aproveitada pelo sistema Sebrae e por outros órgãos nos Estados - Secretarias, FAPs e institutos de pesquisa.

Entrevista publicada no informativo Gestão C&T Impresso, de dezembro de 2003, Nº 39, Ano 4

quarta-feira, 13 de agosto de 2008

Desenvolvimento e desigualdades regionais

Odenildo Sena*

Dia desses tive minha atenção voltada para uma declaração, em tom de desabafo, do bom paraibano doutor Lynaldo Cavalcante, ex-presidente do CNPq. Como um guerreiro cansado de tantas batalhas que se dá o legítimo direito a uma pequena trégua, lamentava que a bandeira de luta contra as desigualdades regionais, para muitos, estivesse fora de moda. Já não se ouve falar nisso com entusiasmo. Os poucos que ainda ousam comprar essa briga são tidos como ultrapassados, registrava em sua voz aguda e sempre pausada. Ato contínuo, senti-me um desses fora de moda e ultrapassados. No caso particular do desenvolvimento da ciência, tenho levado aonde posso a denúncia de que os editais nacionais, lançados pelas agências federais de fomento, se, aparentemente, oportunizam a livre competição de pesquisadores de todo o país, na verdade acabam mesmo é contribuindo para que as desigualdades se cristalizem, mantendo as regiões privilegiadas neste patamar e as demais em situação de penúria. Ou seja, quem está bem continua bem e quem está em dificuldade continua em dificuldade. É natural, por exemplo, que em uma concorrência nacional o Sudeste sempre leve a melhor, captando soma considerável de recursos, uma vez que aquela região abriga pelo menos 54% dos pesquisadores doutores do país. Entendo que não é conseqüente comprometer um desenvolvimento científico já consolidado. Mas não é natural que a região norte, que conta com apenas 4% dessa massa crítica, continue, por conta dessa condição desigual, captando tal proporcionalidade sem nenhum incentivo adicional, a despeito do histórico, mas hoje já cansado e quase desacreditado discurso, de que essa região é estratégica para o país. Em situação semelhante vivem as regiões nordeste e centro-oeste. Insisto em alimentar a crença de que as desigualdades regionais em nosso país representam uma perversa e odiosa herança banhada pelo preconceito e apoiada na insustentável tese de que alguns nasceram para brilhar, outros, para espectadores desse brilho. O Brasil é um país grande, mas nunca será um grande país, se grandes continuarem sendo apenas alguns estados do sul e do sudeste, como São Paulo, Minas, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul. Isso é nocivo à soberania da nação.

*Odenildo Sena é presidente da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (Fapeam) e presidente do Conselho Nacional das Fundações de Amparo à Pesquisa (Confap).
11 de agosto de 2008