terça-feira, 25 de novembro de 2008

Desafios à universidade nos novos tempos

04/11/2008

A democratização das oportunidades de formação superior para incontáveis contingentes de jovens antes privados de tê-las, sem o perecimento da qualidade de ensino, é o desafio maior que se apresenta à universidade contemporânea. E a pergunta que fica é: como vai poder a instituição, nascida para atendimento cultural das elites, reciclar-se a ponto de popularizar sua matrícula, bem como deixar as lições do saber pelo saber, antes transmitidas pela semântica cifrada e codificada da linguagem científica, para aderir ao novo saber pragmático, quase pontual e tecnocêntrico, exigido pelo exercício profissional dos integrantes desta nossa sociedade industrial e de serviços?
Com a afluência das massas às benesses da civilização, bem como a velocidade das mudanças políticas no século XX, as escolas de todos os graus de ensino foram invadidas por multidões de alunos de diferentes origens sociais e capacidades intelectuais. E, em vez de terem reis e papas como mantenedores, passaram as universidades a ser sustentadas por orçamento público e recursos da bolsa dos usuários. Daí que se obrigaram a participar do dia-a-dia do mundo e a serem exigidas como centros de fornecimento de recursos humanos qualificados, necessários ao pluralismo laboral dos mercados. A ciência e a tecnologia estão se sobrepondo às humanidades, e a velocidade das mudanças assusta a todos, pois não dá mais tempo à maturação das novidades que se multiplicam.
A dificuldade maior para os planejadores está em aproveitar a experiência secular do passado, sem, no entanto, desconhecer as exigências dos tempos presentes. A competição dos que se diplomam no ensino superior tende a ser crescente. Sairá vitorioso o mais criativo, o mais culto e o mais apto a reciclar-se rapidamente, ante às exigências da mutação permanente do conhecimento nesta era de incertezas. Como já dizia Bacon a seu tempo: "conhecimento é poder". Mas de que conhecimento se está falando: o dos sábios do passado ou o dos especialistas do presente? Será que a solução para esse enigma não poderia estar na divisão da competência formativa de uma universidade voltada a um bacharelado que explore em profundidade as bases do conhecimento humano, ficando o preparo e o credenciamento profissional com atores outros, como centros de prática e pesquisa ligados às mais diversas profissões, como hospitais, tribunais, empresas, centro de arte e cousas que tais? E no caso dos cursos superiores profissionalizantes não seria melhor que as universidades, por si próprias ou em parceria com outras organizações não-acadêmicas, atuassem no sentido de formar empreendedores, abandonando a tradição de formar profissionais para serem empregados, segundo modelos superados e insuficientes para os reclamos do mercado em sua dinâmica atual?
Diante dessas ambigüidades e da impossibilidade de praticar-se uma futurição confiável, capaz de prever modelos funcionais de universidades do porvir, toda cautela será pouca nas mudanças que se farão, visando ajustar os cursos às demandas presentes, sem pôr a perder as melhores conquistas do passado. Creio que, por suas regras e por seu ritmo próprio de funcionamento, geralmente mais lento que o desejável, as universidades terão que, cautelosamente, ir experimentando, caso a caso, vários tipos de inovações, no que diz respeito ao preparo de seus alunos para o trabalho. Arrisco mesmo a dizer que, no futuro, a universidade deve cuidar do saber, a partir das raízes do conhecimento diversificado que constitui a herança cultural humana, e deixar o fazer por conta dos atores mais pragmáticos que já atuam com sucesso e atualização permanente de seus serviços no mercado.

(Gazeta Mercantil/Caderno C - Pág. 9)
(Paulo Nathanael Pereira de Souza - Doutor em educação e presidente do Conselho de Administração do CIEEE-mail: imprensa@ciee.org.br)

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