terça-feira, 16 de junho de 2009

A Origem da Desigualdade


por José Márcio Camargo
10/06/2009

Pesquisas recentes mostram que a taxa de retorno da educação no Brasil é bastante alta, entre 11% e 15% ao ano. Ou seja, um ano adicional de estudo aumenta a renda entre 11% e 15% ao ano ao longo de toda a vida útil. A principal consequência deste fato é que o investimento em educação é a forma mais eficiente de reduzir a pobreza e a desigualdade da renda no País. Apesar disso, a sociedade brasileira parece dar muito pouco valor ao investimento em educação. Vários são os sintomas de que isto é verdade. Alguns exemplos. O governo brasileiro gasta 18 vezes mais per capita com aposentadorias e pensões do que com o ensino fundamental. Ou seja, cada idoso recebe do governo 18 vezes mais do que cada criança matriculada no ensino fundamental.

O programa Bolsa Família, cujo objetivo é induzir as famílias pobres a deixar seus filhos na escola em lugar de direcioná-los para o mercado de trabalho (pois uma criança pobre pode contribuir com até 30% da renda familiar per capita) e, desta forma, aumentar a renda destas crianças quando se tornarem adultas, tem sido tratado como um programa tradicional de transferência de renda cujo objetivo é diminuir a pobreza no presente. A pouca importância dada às condicionalidades educacionais e a busca de "portas de saída" mostram que seus admiradores e detratores não entenderam a importância da educação. Se a prioridade for melhorar a educação das crianças pobres, a única porta de saída do programa é escola em tempo integral e ensino público de qualidade.

Pesquisas científicas mostram que a capacidade de aprendizagem está em seu nível mais alto entre zero e 6 anos de idade. Segundo estas pesquisas, esta é a idade em que as pessoas aprendem a pensar. A partir desta idade se torna muito difícil ensinar a pensar. Não é por outra razão que os programas de alfabetização de adultos quase nunca são bem-sucedidos. Apesar disto, o governo brasileiro gasta 7 vezes mais per capita com educação superior do que com o ensino fundamental, ainda que somente os 20% mais ricos consigam entrar em uma universidade pública no Brasil.

Poucos políticos brasileiros tiveram ou têm como prioridade a melhoria da educação fundamental pública.

O primeiro político brasileiro de importância nacional que colocou a educação como prioridade foi o governador do Rio de Janeiro Leonel Brizola, que implementou o programa de educação em tempo integral nas escolas públicas, os Cieps. E a reação da sociedade não foi muito positiva. O senador Cristovam Buarque tem feito uma cruzada a favor da educação pública de qualidade, mas os resultados, em termos de opinião pública e programas de governo, têm sido medíocres.

Exemplos do descaso da sociedade brasileira em relação à educação não faltam. Discute-se muito sobre a necessidade de reduzir a desigualdade da renda no País. Mas a renda é desigualmente distribuída porque algumas pessoas têm maiores oportunidades do que outras (além de diferença de gostos e de capacidades inatas).

E a desigualdade de oportunidade depende de forma fundamental da desigualdade educacional. Se os mais ricos têm acesso a educação de melhor qualidade do que os mais pobres, é impossível reduzir a desigualdade de renda de forma sustentável. Programas tradicionais de transferência de renda conseguem fazer isto no curto prazo. Mas se a desigualdade de oportunidades educacionais continua, no longo prazo, os mais educados irão ganhar mais do que os menos educados e a desigualdade de renda volta. Esta é a origem da enorme desigualdade da sociedade brasileira.

José Márcio Camargo é professor do departamento de economia da PUC/Rio e economista da Opus Gestão de Recursos.
Fonte: Revista Isto É de sábado, 10 de junho de 2009.

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