quinta-feira, 30 de julho de 2009

Cinco Desafios em C&T

Agosto de 2009

Superar esses desafios é crucial para o funcionamento, ampliação e reconhecimento do sistema de C&T brasileiro.

No último meio século, a atividade organizada de produção de conhecimento científico estabeleceu-se no país. No centro desse processo estiveram a reforma universitária, institucionalizando a pós-graduação, e a estruturação de um sistema de apoio e fi nanciamento à pesquisa e aos pesquisadores nas universidades e nos centros de pesquisa governamentais.

Como indicador de resultados desse sistema, temos hoje que o Brasil participa com 2% da produção científi ca mundial – resultado significativo, pois mostra que o nosso sistema básico de produção de ciência está do “tamanho econômico do país”, já que esse índice é basicamente o mesmo da participação do PIB brasileiro no PIB mundial.

Estabelecida uma plataforma básica importante para a ciência e tecnologia (C&T), a responsabilidade de ampliação com qualidade e atenção às demandas e necessidades da sociedade e do desenvolvimento do país, pelo seu bom e pleno funcionamento, é grande. Implica o enfrentamento de desafios que merecerão dedicação e esforços iguais ou maiores que aqueles já empregados na construção do sistema básico.

Apresento aqui cinco desses desafios, cuja superação é crucial para a saúde e o bom funcionamento do próprio sistema de C&T, para o reconhecimento de sua utilidade pela sociedade e para que as atividades dos cientistas contribuam para o equilíbrio social e regional do país.

O primeiro deles é a deficiente educação básica e média. A superação desse desafio requer o engajamento da comunidade científica. Não podemos nos furtar à participação, especialmente na questão do ensino das ciências e da matemática. As nossas melhores universidades devem priorizar a formação de bons professores, e em boa quantidade. Isso não vem ocorrendo. Pelo contrário, a formação de professores está sendo relegada àquelas instituições mais destituídas de condições e qualidades. Educação de qualidade é o mais importante requisito para a inclusão social.

A ampliação de vagas nas universidades públicas, sem perder a qualidade, é outro desafio. A vaga em instituição pública é a que de fato está aberta para os filhos da nova classe média, e o atendimento da demanda por profissionais de ensino superior e técnico é condição indispensável para o desenvolvimento do país.

A ciência brasileira está basicamente (cerca de 70%) localizada no Sudeste. Por razões estratégicas e de justiça federativa é uma situação que não pode perdurar, como um desafio para o planejamento estratégico e para as políticas de C&T. Temos de redirecionar investimentos federais e estimular fundações de amparo à pesquisa (Faps) locais, como já ocorre em alguns estados.

Em regiões como a Amazônia, o semiárido e a Plataforma Continental Marinha, o conhecimento científico é indispensável para uma intervenção econômica sustentável. É imperativa a atuação do sistema de ciência, tecnologia e inovação (C,T&I) nessas áreas. O aspecto estratégico impõe o desafi o de equacionar devidamente essa questão como forma de amenizar dificuldades regionais.

Outro desafio está na necessidade de aproximação entre o sistema universitário e as atividades de pesquisa e desenvolvimento (P&D) nas empresas. O Brasil já aprendeu a transformar recursos fi nanceiros em conhecimento; agora, precisamos aprender a transformar conhecimento em riqueza. Além do estímulo à participação de pesquisadores em projetos de interesse da empresa, mecanismos como incubadoras de empresas nascentes nas universidades, parques tecnológicos congregando universidades, centros de pesquisas e empresas com interesse em tecnologia e inovação, podem ser estimulados por políticas públicas para criar pontes de cooperação, em benefício da economia nacional.

Finalmente, há o desafio de superar um gargalo que decorre do fato de a C&T ser atividade recente entre nós. Sendo transversal a todas as outras, sua superação é importante para a boa fluência das demais. Legislações desenvolvidas em outras épocas e situações, voltadas para outros propósitos são confrontadas e/ou questionadas sistematicamente pelas atividades demandadas pelo desenvolvimento científico e tecnológico do país. São exemplos a coleta de material biológico de nossa biodiversidade, o uso de animais em experimentos científicos, a coleta e o uso de células-tronco embrionárias, as impropriedades legais na cooperação entre entidades científicas públicas e empresas privadas, o regime “ultrarrápido” nas importações de insumos científicos, e muitos outros.

Alguns avanços estão ocorrendo, como a nova lei que regulamenta o uso de animais em pesquisa, a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre células-tronco, a Lei de Inovação e a Lei do Bem. Mas entendemos que uma revisão geral para identifi cação de gargalos, incluindo um estudo sobre o status institucional das organizações de pesquisa e o regime de contratação de pessoal, entre outros, é absolutamente indispensável.

por Marco Antonio Raupp
Publicado na Scientific American Brasil em Agosto 2009

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